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quinta-feira, 3 de julho de 2014

USO DO ESPAÇO PÚBLICO E CIDADANIA


 

A DISCUSSÃO ACERCA DO USO DO ESPAÇO PÚBLICO MERECE ALGUMAS CONSIDERAÇÕES OBJETIVAS.

A PREMISSA DE QUE O ESPAÇO PÚBLICO É DE TODOS É VERDADEIRA.

 MAS, SE É DE TODOS, É PRECISO DEFINIR REGRAS DE UTILIZAÇÃO DAQUILO QUE É DE PERTENCIMENTO COLETIVO.

NO BRASIL, JÁ FAZ MAIS DE UMA DÉCADA, HÁ UMA ONDA CRESCENTE DE REIVINDICAÇÕES SOBRE DIREITOS DE CIDADANIA. E MUITAS CONQUISTAS SE REALIZARAM. MAS, EM NENHUM MOMENTO, SE DISCUTIU, NEM SE DISCUTE, OS DEVERES DE CIDADANIA.

 E ISSO É UMA FALHA GRAVE NA CONSTRUÇÃO DE UMA DEMOCRACIA QUE SE PRETENDE, SEGUNDO ANSEIOS DE VÁRIOS SETORES DA SOCIEDADE, TORNAR PARTICIPATIVA, DIRETA, SUPERANDO O MODELO REPRESENTATIVO.

ESSA PRETENSÃO ENSEJA QUE A POPULAÇÃO POSSA DELIBERAR DIRETAMENTE SOBRE SEU FUTURO, INDEPENDENTEMENTE DAQUILO QUE OCORRE NO BOJO DO CONGRESSO, QUE POUCO DELIBERA.

APENAS REAJE, SUBMETIDO À PRESSÃO DA MÍDIA, DO LOBBY ORGANIZADO E DOS INTERESSES POLÍTICOS E ECONÔMICOS MAIS PRÓXIMOS DO DIA A DIA DOS VÁRIOS ELEITORADOS E GRUPOS DE INTERESSES.

NÃO HÁ, DE FATO, PREOCUPAÇÃO COM O FUTURO DA NAÇÃO, SALVO RARAS EXCEÇÕES QUE CLAMAM NAS TRIBUNAS DO PARLAMENTO SEM CONSEGUIR AUDIÊNCIA E, TAMPOUCO, INTERFERIR NO “RAME RAME” DO CONGRESSO.

POR OUTRO LADO, A SOCIEDADE SE TRANSFORMA NUMA VELOCIDADE MUITO ACIMA DA CAPACIDADE DE RESPOSTA DOS VÁRIOS GOVERNOS ÀS SUAS DEMANDAS.

 O VÁCUO EXISTENTE ENTRE OS MOVIMENTOS ORGANIZADOS DA SOCIEDADE PARA PRESSIONAR O PODER PÚBLICO, COM O OBJETIVO DE DELIMITAR MERCADOS E DEFINIR NACOS DO ORÇAMENTO PARA ATENDER AOS SEUS INTERESSES, CRIA CONDIÇÕES DE APROPRIAÇÃO E DE APARELHAMENTO DA MÁQUINA PÚBLICA NOS TRÊS NÍVEIS DE PODER.

 ESSA SITUAÇÃO TORNA O JOGO DO PODER CADA VEZ MAIS MESQUINHO E SUPERFICIAL, FOCADO EM INTERESSES MICROCORPORATIVOS E SUBMETIDOS AO JUGO DOS INTERESSES PARTIDÁRIOS E PARAPARTIDÁRIOS, VOLTADOS EXCLUSIVAMENTE PARA O MOMENTO PRESENTE, INDEPENDENTEMENTE DA NECESSIDADE DE SE DEFINIR UM PROJETO DE NAÇÃO QUE FAVOREÇA A POPULAÇÃO COMO UM TODO, NO MÉDIO PRAZO, AO MENOS. OS ARRANJOS POLÍTICOS SÃO SITUACIONAIS E FOCAM SOBRETUDO AS DEMANDAS CORPORATIVAS E DOS GRUPOS SOCIAIS MAIS ORGANIZADOS.

 HÁ TAMBÉM UMA CRISE INSTITUCIONAL MUITO SÉRIA, QUE SE MANIFESTA NOS DESCOMPASSO VERIFICADO NAS AÇÕES DAS ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS NOS TRÊS NÍVEIS DE PODER. O BRASIL CARECE DE COORDENAÇÃO GERENCIAL EM NÍVEL ESTRATÉGICO.

A POLÍTICA BRASILEIRA SE TORNOU UM CONJUNTO DE DISPUTAS ENTRE GRUPOS PRIVADOS PELO CONTROLE DO PATRIMÔNIO PÚBLICO.

A LUTA PELO CONTROLE DO ORÇAMENTO PÚBLICO PRECISA SER MAIS BEM ENTENDIDA PELA SOCIEDADE. SERÁ UM APRENDIZADO DE CIDADANIA, POIS ESSE CONHECIMENTO IMPLICA A POSSIBILIDADE DE UM MELHOR ENTENDIMENTO DO JOGO POLÍTICO E DAS DISPUTAS EM TORNO DA RIQUEZA QUE OS TRABALHADORES BRASILEIROS GERAM.

NO BOJO DAS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS, AS FAMÍLIAS ENFRENTAM PROBLEMAS INÉDITOS. HÁ UM PROCESSO CRESCENTE DE DESAGREGAÇÃO DA ESTRUTURA FAMILIAR TRADICIONAL E O SISTEMA DE PODER INTERNO QUE ESTABELECIA A FORMA DE COMPORTAMENTO ENTRE PAI, MÃE E FILHOS, ESTÁ EXPERIMENTANDO UMA CRISE ESTRUTURAL.

 NOVOS DIREITOS FORAM ESTABELECIDOS, MAS NÃO SE DEFINIU OS DEVERES NECESSÁRIOS PARA A GARANTIA DESSES DIREITOS. COMO EXEMPLO, BASTA ANALISAR A APROVAÇÃO DA LEI DA PALMADA, ESTA LEI MOSTRA O QUANTO HÁ DE SUBJETIVISMO E EQUÍVOCOS SOBRE ESSAS QUESTÕES.

EM RELAÇÃO ESPECIFICAMENTE AO USO DO ESPAÇO PÚBLICO, A SITUAÇÃO CONTINUA MUITO INDEFINIDA. MUITAS PESSOAS O UTILIZAM PARA SATISFAZER SUAS NECESSIDADES, SEM RESPEITO AO DIREITO DO OUTRO. NESSES ESPAÇOS, ENCONTRAM-SE FUGITIVOS DA LEI, MORADORES DE RUA POR OPÇÃO, PESSOAS COM GRAVES TRANSTORNOS PSICOLÓGICOS, GENTE ABANDONADA POR SUAS FAMÍLIAS E OUTROS TIPOS SOCIAIS.

 PROCURAM FICAR PRÓXIMOS DE MERCADOS, BARES, DO COMÉRCIO EM GERAL. PORQUE NESSES PONTOS TÊM ACESSO À ALIMENTAÇÃO, À ÁGUA, EVENTUALMENTE A SANITÁRIOS E PODEM COMETER DELITOS LEVES E ATÉ CRIMES MAIS GRAVES COM FACILIDADE. SEU COMPORTAMENTO INTERFERE NO DIA A DIA DE PESSOAS QUE TRABALHAM, PRODUZEM E PAGAM IMPOSTOS, PARA GARANTIR SEUS DIREITOS DE CIDADANIA.

HÁ UMA NECESSIDADE CRESCENTE DE REGULAMENTAR O USO DO ESPAÇO PÚBLICO. DEFINIR O QUE É LÍCITO E O QUE É VEDADO FAZER NO ESPAÇO QUE É, EM TESE, DE TODOS. CONFLITOS GRAVES ESTÃO ACONTECENDO PORQUE A FORMA COMO O ESTADO GERENCIA ESSE PROBLEMA É INEFICAZ. DE POUCO ADIANTA CONSTRUIR ALBERGUES, PORQUE MUITOS NÃO QUEREM IR PARA LÁ. TAMPOUCO IRÁ RESOLVER A POLÍCIA DETÊ-LOS, PORQUE SALVO OS CRIMINOSOS CONDENADOS, VOLTARÃO ÀS RUAS.

UMA SOLUÇÃO PARA ESSE GRAVE PROBLEMA ESTÁ NA REGULAMENTAÇÃO DO USO DO ESPAÇO PÚBLICO, DEFININDO REGRAS CLARAS E OBRIGANDO O ESTADO A FISCALIZAR SEU CUMPRIMENTO.

TAMBÉM O INVESTIMENTO MACIÇO EM POLÍTICAS PÚBLICAS CONSISTENTES FOCADAS NAS CRIANÇAS E NAS FAMÍLIAS, PARA MINIMIZAR A DESAGREGAÇÃO FAMILIAR, PODE CONTRIBUIR PARA A RESOLUÇÃO DESSA QUESTÃO.

A DEMOCRACIA BRASILEIRA TERÁ QUE APERFEIÇOAR MUITO SUA FORMA DE GERENCIAMENTO DESSES PROBLEMAS QUE, APARENTEMENTE, SÃO PEQUENOS, MAS SE AGRAVAM AO PONTO DE PERMITIR QUE GRAVES CRIMES CONTRA A VIDA E O PATRIMÔNIO ACONTEÇAM.

NÃO É ACEITÁVEL QUE PESSOAS UTILIZEM O ESPAÇO PÚBLICO PARA COMETEREM CRIMES, NEM AGRIDEREM O PATRIMÔNIO PÚBLICO E PRIVADO. TAMPOUCO É INACEITÁVEL A REAÇÃO VIOLENTA CONTRA MORADORES DE RUA E PESSOAS DESPROVIDAS DE CONDIÇÕES DIGNAS PARA VIVER.

ESSA É UMA QUESTÃO DIFÍCIL DE SER RESOLVIDA, MAS É PRECISO COMEÇAR A AGIR PROCURANDO ATINGIR O INÍCIO DO PROCESSO E NÃO TENTAR MINIMIZAR O PROBLEMA COM PALIATIVOS.

É NECESSÁRIA UMA AÇÃO ENÉRGICA DO ESTADO, EM SEUS TRÊS NÍVEIS DE PODER, COMEÇANDO PELA AÇÃO LEGISLATIVA E COBRAR A RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE PARA PARTICIPAR DA CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO DE NAÇÃO DEMOCRÁTICA, BASEADA EM DIREITOS E TAMBÉM EM DEVERES DE CIDADANIA.

SE ISSO NÃO FOR FEITO RAPIDAMENTE TEREMOS UMA SOCIEDADE MAIS VIOLENTA, INFELIZ, INSEGURA E INCAPAZ DE CONVIVER EM PAZ UNS COM OS OUTROS.

A REGULAMENTAÇÃO DO USO DO ESPAÇO PÚBLICO É URGENTE. SERIA MUITO BOM SE TODOS OS CIDADÃOS E POLÍTICOS PENSASSEM NISSO DURANTE ESSE PERÍDO PRÉ ELEITORAL E O BRASIL INICIASSE O PRÓXIMO ANO COM DEFINIÇÕES OBJETIVAS SOBRE ESSE GRAVE PROBLEMA SOCIAL.

 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O DESAFIO DA GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Uma das questões ambientais mais relevantes e urgentes da atualidade precisa ser debatida com a sociedade e os governantes, nos termos que a Lei de Resíduos Sólidos estabelece. Para tanto, é preciso conhecê-la, sobretudo para fomentar o diálogo e criar condições para a correta formação de opinião. Uma mudança estrutural de paradigma estabelece que o lixo bem gerenciado pode se transformar em energia e, consequentemente, em riqueza. Evidentemente que essa transformação exige a participação de todos os setores da sociedade e do governo. Mas, basicamente, decorre de uma mudança comportamental de todos nós. O que nos leva a considerar a educação ambiental como uma das ações estratégicas mais fundamentais para que consigamos construir uma sociedade sustentável, garantindo boas condições de vida para as gerações futuras. Sabe-se que a economia verde, baseada numa lógica inovadora de relacionamento com a natureza, na preservação do patrimônio ambiental, na reciclagem e no tratamento adequado de resíduos pode ser a base para um novo arranjo produtivo gerador de riquezas que, até o presente, não é produtivo e consome muitos recursos públicos e privados, configurando-se numa enorme despesa financeira e social, o que não interessa a ninguém. A gestão dos resíduos sólidos, conforme estabelece a lei federal no. 12305/10, determina que haja um verdadeiro pacto entre a sociedade, as universidades, as ONGs, as cooperativas, as empresas e o governo, para promover, de forma cooperativa, mudanças estruturais no tratamento do lixo e dos dejetos. A modernidade trouxe grandes benefícios para a sociedade, sobretudo naquilo que se refere à qualidade de vida. No entanto, como consequência do desenvolvimento econômico, houve um incremento significativo na produção de resíduos e desejos, que são subproduto indesejado do aumento crescente do consumo de bens e mercadorias. Definir a melhor estratégia para tratar dos resíduos tornou-se um dos grandes desafios para os gestores do século 21. O impacto de uma ação gerencial ineficaz e negligente comprometeria a qualidade de vida da população e a própria saúde pública, além de depredar o meio ambiente de forma irreversível. Os três modelos utilizados para destinar os resíduos sólidos têm características e consequências específicas. O mais utilizado é o lixão, que é também o mais danoso para o meio ambiente. O espaço destinado aos lixões geralmente não são preparados, nem tratados. Os resíduos são lançados ao solo e permanecem descobertos. O líquido liberado pelo lixo, chamado de chorume, pode contaminar o solo e a água, além de exalar mau cheiro. Em geral, nos lixões são encontrados ratos e insetos, ambos nocivos à saúde pública. O segundo modelo são os aterros controlados cobertos de terra. São um modelo intermediário. Neles, o lixo é coberto com terra diariamente, o que evita o odor fétido e a proliferação de insetos e animais. No entanto, esse modelo de aterro não é capaz de impedir que a água e o solo sejam contaminados. Já, no terceiro modelo, o aterro sanitário, os dejetos são aterrados com equipamentos adequados. são colocados em um local previamente impermeabilizado por uma base de argila e mantas de PVC, o que impede a penetração do chorume no subsolo. Coleta-se o chorume por meio de drenos especiais e ele é encaminhado para a estação de tratamento de efluentes. O metano liberado pela decomposição de matéria orgânica pode ser utilizado por pequenas usinas de geração de energia elétrica. Isto contribui significativamente para a transformação de resíduos em energia. E gera economia e, ao mesmo tempo, lucro para pequenos empreendimentos. É fato que, no Brasil, a destinação de grande parte do lixo é feita de forma incorreta, produzindo efeitos nocivos tanto à economia, quanto ao meio ambiente e a saúde pública. É preciso modificar estruturalmente esse matriz, para beneficiar a todos os setores. Claro que serão necessários recursos públicos e privados, além de parceria com a iniciativa privada e a colaboração das universidades, das ONGs e demais associações para que essa transformação ocorra. Esse é, de fato, um dos grandes desafios gerenciais do século 21.

terça-feira, 22 de abril de 2008

IDENTIDADE, NARCISISMO E MIMETISMO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Guerreiros Invencíveis

Sexo Fast-Food

Super-homens dos ringues

Prostitutas de beira de estrada


Antônio Flavio Testa

Brasília
2007


Ficha catalográfica

1. Dicionário de Sinônimos.

Ed. Fundação Antonio Houaiss

2. Dicionário de Dicas e afins.

Apresentação


Os estudos aqui apresentados são produtos de reflexões e discussões realizadas nos últimos anos. Procurei analisar aspectos originais das questões referidas, tentando articular, metodologicamente, categorias sociológicas e psicanalíticas, bem como a dinâmica atual do desenvolvimento capitalista sob uma perspectiva própria do marketing. Tenho estudado a problemática da virtualização da realidade, a partir da intensificação da ação dos meios de comunicação e de suas artimanhas subliminares sedutoras cristalizadas pelo merchandising.

Procurei situar aspectos relevantes para o entendimento da problemática em toda sua complexidade, apontando ângulos normalmente relegados a planos secundários, mas fundamentais para a compreensão da realidade simbólica que compõe o imaginário social, na circunferência da sobrevivência individual, do posicionamento pessoal e do sucesso em ambientes competitivos e excludentes.

Os capítulos compõem um todo, mas podem ser lidos individualmente sem qualquer prejuízo para o entendimento dos assuntos abordados. A bibliografia, localizada no final do livro, refere-se a todos os capítulos.

Vários colegas de estudo de áreas afins leram os capítulos e teceram importantes comentários sobre minhas reflexões. A todos, agradeço. Todavia, é de minha inteira responsabilidade a autoria dos textos. Meu propósito é colocar pontos de vista diferentes sobre questões que considero importantes, mas ainda não debatidas com a intensidade merecida. Espero que essa leitura seja produtiva e estimule o debate e a reflexão criativa.

Este livro é composto de três capítulos que, em sua origem, foram estudos independentes, mas ligados entre si pela convergência dos temas.

No primeiro capítulo, é abordado um tema interessante, a problemática dos super lutadores de ringue, a espetacularização virtual do grande circo internacional de lutas.

No segundo, é analisada a questão da economia sexual e do narcisismo, enfocando a problemática do sexo fast-food. A leitura desse fenômeno à luz do marketing revelou a possibilidade de outra abordagem sobre tal questão.
Esse capítulo constitui a síntese de minha dissertação de pós-graduação em psicanálise.

No terceiro e último capítulo, é feita uma leitura teórica da questão do mimetismo como valor na cultura ocidental e suas implicações na vida contemporânea. O início dessa reflexão teórica ocorreu durante a elaboração da minha tese de doutorado em sociologia. Esse capítulo apresenta a essência de minhas reflexões sobre o tema.


Índice
Super-homens, narcisos do ringue e cultura da violência


Apresentação

Introdução

A gênese das rixas e disputas

O vale-tudo e o globalismo

O dilema existencial do lutador ante o narcisismo
Lutas e catexias

The ultimate figthing boom

A era dos super-homens do vale-tudo

Tendências no mercado das lutas globais

Narcisismo, lutas e mercado midiático

conclusões


Economia sexual e narcisismo


Midiatização virtual da realidade
Globalização midiática
Mídia, sexo e imaginário

Sexo, perversão e realidade virtual

Sexo virtual, rodovias e prostitutas de beira de estrada
Razão cínica e economia sexual
conclusões
Bibliografia

Identidade social e mimetismo

A desportivização da sociedade moderna

Identidade social esportiva e mimetismo

A transformação do uso do tempo livre em atividade profissional

Esporte, identidade e mobilização social

Conclusões


Super-homens, narcisos do ringue e cultura da violência


1. Introdução

A cultura da violência apresenta vários aspectos e formas de representação, configurando padrões comportamentais específicos e tipos diferenciados no que se refere à aceitação social. A violência é percebida e aceita em escalas hierarquizadas no âmbito dos vários segmentos sociais.
Contudo, a violência manifestada na forma de luta, de combate entre humanos, assume conotações diferenciadas em relação às diversas modalidades e estilos de lutas, cuja manifestação e prática se reportam à cultura e aos próprios valores de determinados grupos sociais.

Historicamente, esse fenômeno tornou-se mais complexo a partir do advento da urbanização e da conseqüente violência urbana, com confrontos entre homens e grupos sociais mais freqüentes em função das brigas de ruas e “rixas” entre grupos. Um desdobramento marcante desse fenômeno é o processo de desportivização das lutas, que permite sua prática sob regras previamente estabelecidas. Os confrontos são, em tese, entre lutadores/ competidores que se enfrentam em suposta igualdade de condições e em locais apropriados, onde a violência é aceita, pois é dosada conforme as regras de cada modalidade de luta e estilo de prática.

Uma variante mais significativa desse fenômeno é a espetacularização das lutas e sua comercialização como show no mercado global do entretenimento. Esse fenômeno caracteriza um empreendimento econômico com todo o simbolismo próprio da era digital e sua virtualização organizacional. Nela, o homem-mercadoria torna-se peça específica de uma engrenagem cujo mecanismo de funcionamento exige sincronização e coordenação, via definição de papéis e funções.

No Brasil, as lutas são muito populares. Desde as primeiras décadas do século XX, pratica-se vale-tudo, modalidade de luta na qual praticamente todo tipo de golpes é permitido aos lutadores, exceto morder e furar os olhos, embora circunstancialmente isso ocorra, causando sérios danos aos contendores.

No início, esses confrontos ocorriam com o objetivo de testar qual o melhor estilo de luta e qual o lutador mais forte, mais poderoso. Posteriormente, os eventos de combate tornaram-se eventos comerciais. Lutadores e agentes promocionais de eventos de luta passaram a visar ao lucro. Esse foi o primeiro passo para a profissionalização dessas modalidades de lutas.

Simbolicamente, as brigas, por questões vinculadas à masculinidade, ao poder e ao controle microterritorial, referem-se aos primeiros confrontos ocorridos entre bandos primitivos e seus líderes, que se digladiavam em busca de domínio espacial, controle das fêmeas e do poder grupal.
Na atualidade, a violência das lutas é institucionalizada, e estas são comercializadas, na forma de circo global espetacular, uma versão contemporânea e virtualizada da histórica arena romana. Esse espetáculo enseja o confronto entre culturas marciais diferenciadas, uma vez que os estilos e as modalidades específicas de lutas são decorrentes da organização social e política, assim como de valores educacionais e grupais próprios de cada região e cultura.

Isso é significativo, porque permite analisar as formas pelas quais o homem se relacionou com a natureza e venceu a hostilidade ambiental que o circundava. O impacto do ambiente externo sobre a organização humana foi bem diferente em cada região que o homem habitou, ao longo de sua história. Psicossociologicamente, as lutas refletem as técnicas que o homem desenvolveu para vencer seus adversários. São, por conseguinte, sistemas bem estruturados para o desenvolvimento psicológico e corporal.

É pertinente analisar as modalidades de luta, a partir de cada região da Terra. Por exemplo, determinadas técnicas de combate características do caratê japonês se desenvolveram em regiões planas, nas quais a cavalaria se tornou uma expressão guerreira. Os movimentos desse estilo de caratê estão vinculados fisicamente à força centrífuga, que permite movimentos expansivos e longos. A “centrifucidade”, portanto, é um dos fatores determinantes do desenvolvimento da memória corporal, da expressão plástica e da percepção psicológica. Há predomínio da expansividade na sistematização prática desses estilos de luta. As noções do tempo e da velocidade dos movimentos são bastante peculiares em cada estilo e modalidade de arte marcial.

Entretanto, em regiões montanhosas, irregulares, com muitos riachos, trilhas sinuosas e escorregadias, foram desenvolvidos outros tipos de movimentos, que exigiam dos praticantes apurado controle corporal, privilegiando o uso de movimentos isométricos, nos quais a “centripeticidade” (força centrípeta) é visível.

A análise dos movimentos e posturas físicas do caratê japonês, sobretudo o estilo shoto-kan, que resulta da junção de estilos oriundos de regiões planas e montanhosas, demonstra essas estruturas nitidamente. Elas expressam um complexo sistema de movimentos corporais que articula a contração e a expansão de movimentos sincronizados com a respiração de uma forma muito própria.

As sistematizações metodológicas desses movimentos ocorreram na forma de seqüências de movimentos que se reportavam a lutas ocorridas realmente, ou na imaginação dos sistematizadores. No início, foram transmitidas em formas de katas (seqüências de movimentos) e pela tradição oral. Em seguida, pela prática em escolas iniciáticas e pela literatura voltada a artes marciais. Hoje, são difundidas no mundo todo em vídeos, DVDs e outras mídias.

Na China, desenvolveu-se o kung-fu, com diversas codificações de estilos e sistemas de prática que representam movimentos de animais e sua relação com a natureza e a dinâmica da selva. A interdependência verificada entre os estilos de artes marciais, os movimentos físicos (golpes e seqüências) e os valores éticos e morais configuram um complexo acervo simbólico e material. Seus reflexos se manifestam, na pós-modernidade, por meio de novassistematizações, sincretismos e produtos derivados da tecnologia, com o objetivo de atender sobretudo a demandas do mercado de consumo.

A mídia atualmente exponencia sua influência e constrói modelos comportamentais/expectativas de vida – que configuram um quadro psicossocial quase de desespero paranóico. A indução forçada à competitividade individual é crescente e torna-se visível quando se analisa as estratégias utilizadas, individual e grupalmente, à procura de um posicionamento de mercado que intensifique o brilho da visibilidade narcísica. Esta acomete quem pretenda se tornar artista, campeão, personalidade pública. São papéis sociais que só sobrevivem se tiverem muita visibilidade. Esta condição está vinculada a um tipo específico de sucesso na vida.

Esse fenômeno, no caso das lutas, é reproduzido e cristalizado em decorrência da ação das escolas de lutas e combate, cujos valores predominantes, mais nítidos e observáveis são, ainda hoje, os da masculinidade agressiva. As desavenças são construídas e reproduzidas baseadas em mitos de masculinidade. São tornadas públicas pela mídia, que se delicia com os escândalos, com a violência, com o sangue, com as chacinas e outros derivados da agressiva destrutividade masculina.

A luta profissional, como espetáculo, representa o confronto de esteriótipos masculinos míticos. São personagens poderosos, violentos e heróicos que povoam o imaginário dos espectadores. Geralmente, nos confrontos, um representa o bom, e o outro, o mau. Ocorre uma articulação maniqueísta que leva o espectador a se identificar, por meio de mecanismos de projeção / transferência psicossocial, com algum dos combatentes. Esse drama psicossocial expressa o dilema da luta contra as poderosas determinações superegóicas, que impedem o indivíduo de dar vazão à violência potencial que carrega em si.


2. A gênese das rixas e disputas

À medida que as lutas se desenvolveram socialmente, reproduziram-se na forma de estilos, com escolas próprias, e estruturaram padrões culturais, valores grupais e pessoais muito peculiares, gerando um Ethos grupal e peculiar. Com isso, emergiu a disputa entre estilos.

A necessidade de fortalecer cada instituição e o conseqüente processo de socialização influenciaram na construção de comportamentos sociais hostis entre grupos, levando-os a disputas e conflitos violentos. A consolidação da identidade grupal requer a percepção do outro em contraste com o eu. O etnocentrismo exacerbado torna-se uma estratégia de comportamento, e, em decorrência disso, as relações sociais tornam-se tensas, competitivas e agressivas. Ocorre o estabelecimento de um modelo comportamental hierarquizado, conforme as relações de poder em ambiente micro. Nesse contexto, o mais velho, por conhecer mais os segredos da técnica e ter mais experiência, e o mais forte e destemido, por se impor pela força e coragem, ocupam posições de destaque.

Essas duas estruturas de dominação – experiência mais conhecimento equivalem à técnica e força mais coragem – modelaram historicamente a política grupal dos lutadores, desde suas origens sociais. Essa codificação simbólica ainda está presente nas artes marciais e contém toda a estrutura de dominação/ subordinação, que se cristaliza por meio dos sistemas de graduação – de iniciante até mestre, de faixa branca (kohai) até faixa preta, sensei (professor), até shiham (mestre). Cada estilo, ou sistema de luta, tem seus mecanismos hierárquicos de graduação. Estes exigem do aspirante a um novo nível que apresente, geralmente por meio de exame específico, um conjunto de conhecimentos e habilidades compatíveis com o nível almejado. Entre lutadores profissionais, o nível de conhecimento exigido é compatível com as exigências do mercado de trabalho. Caso o pretendente à profissionalização não apresente condições necessárias, não terá sequer acesso a esse mercado. Essa dinâmica pós-moderna das lutas tem obrigado lutadores a completar sua formação. Para tanto, são auxiliados por técnicos/treinadores profissionais. As performances dos mestres tradicionais, históricos, ainda têm seu espaço garantido nas academias de formação. No ambiente profissional, seu papel é mais de treinador, e tal condição exige constante treinamento, aperfeiçoamento e ruptura com paradigmas históricos limitadores, como são as idiossincrasias de estilos e formas tradicionais de luta. Isto significa que apenas um ramo do conhecimento marcial é insuficiente para preparar um bom profissional de vale tudo. A demanda é por uma equipe multidisciplinar de treinadores. Essa é a realidade atual.

3. O Vale-tudo brasileiro e o globalismo

É significativo o crescimento da prática dos esportes de luta considerados mais violentos neste início de século. É relevante a realização de eventos espetaculares de esportes de combate nos quais os lutadores aceitam regras de lutas que permitem o uso de técnicas de combate consideradas perigosas e a plena liberação da violência. É interessante considerar que os esportes marciais têm produzido pautas comportamentais e valores éticos coletivos que são assimilados – muitas vezes – de forma massificada, principalmente por grupos sociais aficionados por lutas tradicionais e outras práticas corporais de lutas consideradas radicais. Isso ocorre com muita freqüência nos centros urbanos.

Lutas, raras vezes, foram analisadas à luz de uma perspectiva cultural. Conservam, em particular, elementos historicamente desenvolvidos por sociedades, ou mesmo grupos sociais, refletindo estágio próprio de conhecimento reificado na forma de tecnologia de ação corporal, sistematizada em estilos diferenciados e próprios de cada região de onde emergem. Sua estruturação e objetivos são vinculados, portanto, às necessidades que o homem enfrenta para se sobrepor às dificuldades e riscos que o seu habitat oferece, tanto em relação ao confronto com a natureza, quanto com outras espécies e seus próprios semelhantes. Esse é um ponto fundamental para entender as lutas e seu desenvolvimento técnico, sua “camaleônica” capacidade de adaptação, sua força sincrética.

O processo de expansão dos setores do entretenimento, do turismo, do esporte, do lazer e toda gama de demandas que este fantástico processo movimenta emprestou às lutas uma importância circunstancial muito maior. Tornaram-se produtos espetaculares que são comercializados de forma diferenciada, como serviços de entretenimento em eventos, shows etc. São estruturados não só no setor de eventos esportivos, mas também no de formação de recursos humanos. Mais especificamente, no segmento educacional de artes marciais e esportes de luta, que, por si só, já é um mercado com todas suas características de produção, distribuição e consumo de serviços e alocação de força de trabalho especializada.

A especialização profissional do setor de lutas enfatiza sobretudo a estruturação de eventos de lutas na forma de shows espetaculares. Nesses eventos, os astros são renomados praticantes de artes marciais nacionais e internacionais. O resultado desses embates, por seu turno, é a valorização dos acontecimentos marciais, além do aumento de sua audiência e do valor das bolsas pagas a contendores, organizadores e apostadores. O setor de lutas consegue movimentar relevantes somas de dinheiro no mercado do entretenimento, assim como influenciar intensamente outras dimensões da cultura do mercado desportivo.

Da perspectiva do desenvolvimento humano, atinge elementos fundamentais do psiquismo, porque envolve posturas mentais específicas para enfrentar desafios. Em contrapartida, as situações de combate potencial ou a própria predisposição e preparo para o combate corporal podem levar a posturas neuróticas e à possibilidade de ocorrência de transtornos mentais mais sérios.

Dentre esses transtornos, destacam-se a paranóia e o narcisismo. Tal fenômeno ocorre porque o ambiente competitivo é extremamente seletivo, violento e excludente, estabelecendo limites físico-espaciais e temporais para que o lutador se torne a referência de poder no seu grupo. O ranqueamento esportivo induz à permanente competição entre aqueles que querem o primeiro lugar. A desconfiança mútua, as manias de perseguição, a “trairagem” (ato de trair o outro, de não cumprir com o combinado), o desprezo, a inveja, a bajulação e a falsa admiração compõem uma síndrome cultural paranóica e narcísica característica de um ambiente psicopatológico. Nesse ambiente, são produzidos padrões agressivos de defesa, que são assimilados e utilizados pelos membros dos grupos em disputa, estruturando um relacionamento político intergrupal baseado em posturas defensivas e agressivas.


4. O dilema existencial do lutador ante o narcisismo

Diante de uma situação na qual o lutador depende do esplendor de sua imagem para se manter em evidência, a própria imagem não pode expressar decadência. O lutador precisa se tornar um mito. É induzido, assim, a adotar posturas narcísicas, características do mercado de celebridades, com todos seus artificialismos e comportamentos invejosos e ciumentos. Sua estratégia de defesa passa a se basear sobretudo na tentativa de preservar valores de forma reacionária, como se a vida em sociedade não fosse um processo em plena ebulição, induzindo o indivíduo à frente. Um exemplo célebre dessa realidade foi a ascensão e queda de Mike Tyson, grande estrela do boxe internacional.

O desafio de estar sempre em perfeita forma física, técnica e estar exposto na mídia configura um quadro potencialmente paranóico, que leva a estratégias comportamentais nas quais o conflito narcísico, a falta de reconhecimento, a instabilidade e a insegurança são marcantes. Mesmo sendo forte e poderoso, o lutador é obrigado a conviver com a insegurança e a instabilidade que acometem ídolos de determinados esportes de forma muito acentuada. O custo político e emocional dessa situação é muito alto. A mídia tende a divulgar o mito, geralmente em detrimento do humano.


5. Lutas e catexias (concentração de energia psíquica em um evento)

Diversos grupos sociais e organizações envolvem-se na reprodução sistemática de um tipo específico de evento esportivo. No caso, o dos torneios que reúnem desafiantes entre praticantes de lutas diferentes, com o intuito de verificar, narcisicamente, qual é o melhor, sob as regras impostas ao evento. As regras geralmente são definidas por interesses externos à estrutura intrínseca das lutas. Ensejam situações de grande ansiedade e estresse acentuado. Estas condições interferem negativamente na plena e sadia prática de uma modalidade desportiva, como é o caso das lutas.

A questão da postura mental e as lutas revelam uma problemática que merece estudo mais aprofundado. É comum encontrar pessoas com um nível mental de concentração acima da média. O grau de determinação e agilidade mental também são notáveis. Atletas que recebem muita pancada na cabeça apresentam, porém, sérias seqüelas, que resultam em prejuízo para a saúde e para todas as vantagens acima enumeradas. A saúde física é relevante demais. Lutadores “sonados” – dotados de lesão cerebral – são triste conseqüência da dura realidade das lutas profissionais. Tal fenômeno, contudo, não constitui o principal objeto desta análise, e sim os transtornos mentais que configuram um perfil neurótico capaz de impedir o pleno exercício da saúde mental.

Nesse aspecto, o assunto merece uma análise mais profunda, pois o processo de socialização das lutas leva à construção de perfis psicossociológicos específicos. Perfis que caracterizam os estilos de vida de praticantes de determinadas modalidades de lutas com padrões similares de comportamento e percepção da realidade. Muitas atitudes assumidas por praticantes de lutas denotam sérios conflitos neuróticos.

Tais padrões de comportamento pretendem reforçar o argumento de que alguma modalidade de luta é melhor que outras, sob todos os pontos de vista. Paranoicamente, uma modalidade de luta é vista técnica e metodologicamente como melhor do que outras. Nessa visão não prevalecem a preparação física e técnica e a atitude mental do praticante. É uma percepção bem distorcida e neurótica. É socializada em nível de discurso e assimilada na forma de padrões de comportamento e atitudes valorativas. Configuram uma ideologia marcial discricionária, hierarquizada com base na percepção neurótica da realidade/aparência. São atitudes geralmente delimitadas pela influência externa e geram sérias crises individuais, interferindo negativamente no comportamento pessoal.

Na prática, essa realidade/aparência na qual uma determinada modalidade de luta foi percebida por seus praticantes como a melhor das lutas só se justificou por um breve período de tempo. O processo de globalização das lutas, sob a ótica espetacular do capitalismo aplicado ao setor marcial, implicou o surgimento, por meio do confronto, de lutadores sincretizados, capazes de enfrentar qualquer tipo de gladiador moderno.

As estratégias de mercado do capitalismo marcial ensejaram o confronto de lutadores das mais variadas origens e praticantes de diferentes lutas. Gladiadores oriundos de culturas marciais diferenciadas, submetidos às mesmas condições de combate, foram colocados na arena pós-moderna, o Octagon (ringue do Ultimate figthing), evento de lutas que marcou o início da globalização das artes marciais.

As modalidades originais serviram apenas para rotular um produto específico em um mercado espetacular, que necessitava de vários produtos diferentes, os estilos de lutas, para gerar uma rivalidade virtual global. O espetáculo do vale-tudo globalizado é revestido de forte componente emocional e desenhado para o confronto na arena de competição virtual, o Octagon, com objetivo de satisfazer as carências emocionais e demandas neuróticas do público apreciador. Serve também para atender aos interesses comerciais dos produtores de violentos espetáculos de combate entre lutadores narcisistas e paranóicos, além de alimentar o sadomasoquismo coletivo, próprio de freqüentadores e expectadores desse tipo de espetáculo.

Nesses eventos, o melhor lutador é aquele que vence os demais, sob regras previamente estabelecidas para aquela ocasião. As regras podem mudar de evento para evento, pois precisam se ajustar a diversos interesses de ordem legal, comercial e organizacional. O lutador, portanto, tem de ser eclético e dominar todas as técnicas que lhe fortalecerão, independentemente de estilo. Ele também precisa ser adaptável a essas variações circunstanciais.

No Brasil, existem indícios históricos de que os combates entre modalidades diferentes de lutas começaram a acontecer na década de 1930, quando um determinado grupo de lutadores realizou várias disputas com o argumento de provar que sua modalidade de luta era melhor que as demais. Embora o fenômeno das lutas de vale-tudo, tenha começado nas primeiras décadas do século XX, somente cresceu exponencialmente durante a década de 1990, quando surgiu o circuito do Ultimate Figthig na América do Norte.

Uma luta real tem como objetivo o duelo entre lutadores, na forma de briga. É mesmo para valer. Não há regras. Se estas existem, são as da rua e se reportam aos conflitos primordiais nos quais os contendores tinham, antes de tudo, de sobreviver. Na rua, tudo é permitindo, pois decorre de uma ética do real vale-tudo. A lógica que permeia brigas na rua é estruturada em táticas que permitem a eliminação do adversário, utilizando, no caso da luta, o próprio corpo.

Nas brigas de rua ocorre o uso de armas de toda espécie; nas lutas reais, as armas são o próprio corpo, adestrado para fulminar o adversário. Quer seja com pancadas desferidas com a cabeça, com os braços, com os cotovelos, com os joelhos, com as mãos, ou com os pés, quer seja por meios de estrangulamentos e chaves de braços e pernas. O adestramento de um lutador de vale-tudo deve ser o mais completo possível. Ele deverá estar apto a enfrentar qualquer tipo de lutador, que utilizará todos os recursos de que dispõe para subjugar o adversário. Ainda assim, essa situação é muito diferente da realidade das ruas, que é muito mais cruel, sobretudo porque o ambiente e o clima não são artificiais, nem construídos de forma a beneficiar física e psicologicamente os lutadores, como são os ringues e as várias arenas de combate. Nas ruas, os confrontos acontecem de surpresa, na maioria das vezes, por isso, as reações são imprevisíveis.
Tecnicamente, do ponto de vista histórico, a questão mais interessante está em dois pontos considerados importantes:

1) A aceitação de um princípio de que a luta no chão é mais forte, por minimizar o potencial dos recursos técnicos dos lutadores de modalidades que não desenvolvem técnicas de combate no solo;

2) Em conseqüência dessa realidade, um jogo político foi desenvolvido para justificar o predomínio circunstancial dos lutadores de solo.

O argumento básico utilizado pelos praticantes dessas modalidades é que suas técnicas, principalmente, na vertente brasileira, são a melhor do mundo, e eles, os praticantes, são superiores aos demais lutadores.

Isto acirrou as rixas, as inimizades pessoais e grupais e fez com que as demais modalidades de lutas procurassem aprimorar suas técnicas de combate e desenvolvessem competência técnica no solo, incorporando novas metodologias e práticas, além de procurar formar lutadores mais completos do ponto de vista físico e nutricional.

No primeiro momento, essa realidade não foi assimilada, com a devida ênfase, pelos lutadores de luta no chão. Somente uns poucos praticantes dessas modalidades procuraram desenvolver técnicas de combate em pé. Precisaram aprender a socar, a cotovelar, a dar joelhadas e a chutar, além de dominar as táticas de combate em pé, para poder viabilizar a queda de seus oponentes e usar suas vantagens potenciais. Esse período representou uma transição estrutural na formação dos lutadores de ringue. A realidade agora era outra: não obstante a possível vantagem da luta de solo, para se chegar até o solo e neutralizar o adversário o esforço tornou-se muito maior. E exímios lutadores de modalidades específicas de soco e chute tornaram especialistas em luta no solo, em poucos anos.

Os fatos citados nos itens anteriores configuram uma etapa historicamente superada. Ela foi marcada pelo crescimento do vale-tudo no interior do Brasil, com ênfase nas disputas que aconteceram na cidade do Rio de Janeiro e em algumas outras importantes cidades do nordeste brasileiro. Durante aquele período, entretanto, muitas outras modalidades de lutas cresceram em prática e adeptos no Brasil, principalmente o caratê, a capoeira e o judô. São modalidades nas quais o Brasil detém a hegemonia continental, tendo grandes expoentes internacionais entre seus lutadores. Houve uma queda significativa na prática do vale-tudo em todo o território nacional durante a década de 80 do século XX, devido ao boom de outras modalidades que tinham melhor circuito competitivo e mais apelo de mídia. O jiu-jitsu brasileiro, porém, continuou sendo praticado, sobretudo no Estado do Rio de Janeiro.

6. The Ultimate Figthing boom: a explosão internacional do vale-tudo

A fase de internacionalização das lutas em escala profissional e em circuitos independentes das modalidades olímpicas e amadoras tomou corpo a partir de 1994, quando ocorreu o primeiro evento chamado Ultimate figthing nos EUA, reunindo atletas de diversas modalidades. Esse evento foi organizado por membros da família Gracie em parceria com empresários norte-americanos e vencido várias vezes por atletas brasileiros. O Ultimate figthing tornou-se o mais forte circuito competitivo de lutadores profissionais, reunindo primeiramente praticantes de lutas sem expressão e de estilos desconhecidos, mas, com o decorrer do tempo, ficou muito competitivo e trouxe para sua arena ótimos lutadores internacionais. A mera possibilidade de aparecer na tela do circuito de tevê por assinatura, pay per view, aliada à possibilidade de fazer uma boa luta, apresentar uma boa performance e receber uma boa remuneração, já era motivo suficiente para aumentar a competitividade internacional para se ter acesso a tal circuito. Esse circuito deu especial notoriedade internacional ao clã Gracie e promoveu as lutas brasileiras a um estágio privilegiado, principalmente em relação ao Japão, berço das mais nobres artes marciais.

A reprodução dos circuitos abertos de lutas foi apenas uma conseqüência do Ultimate figthing. Havia enorme demanda reprimida no setor de artes marciais, se considerado o potencial mercadológico do setor nos seus segmentos industriais, de serviços e de tecnologia de treinamento. As artes marciais permeiam profundamente as estruturas sociais, porque atingem todos os segmentos em escalas diferenciadas e promovem uma dinâmica comportamental própria no que concerne a valores morais, éticos e culturais. Configuram também padrões específicos de consumo, tanto de produtos industrializados, como roupas, equipamentos, medicamentos, alimentos, quanto de serviços nas academias, ginásios, clubes, cinemas, livros, revistas etc.

As artes marciais delineiam um setor de mercado que está se tornando visível, à medida que os meios de comunicação divulgam produtos de interesse comum tanto à população como um todo, quanto ao público especializado. É um setor em plena efervescência consumista, muito dinâmico e segmentado. Isso enseja atenção diferenciada do ponto de vista dos produtores econômicos. Culturalmente, percebe-se uma diversidade muito significativa na sua dinâmica, que se estrutura entre grupos sociais específicos, mas de ação global.

Além disso, tais grupos têm a capacidade de engendrar alianças internacionais entre grupos organizados em torno de associações e federações internacionais que reproduzem determinada modalidade em todo o mundo, com as mesmas características metodológicas e regras comuns. Esse fato permite a internalização de valores internacionais nas microrregiões dos diversos países e estabelece padrões comportamentais diversos.
São mudanças que geralmente conflitam com expectativas locais e acirram processos de interação valorativa e cultural. Trata-se de um aspecto relevante no processo de globalização em curso: a imposição de regras, valores, pautas comportamentais e, mesmo, de metodologias e técnicas de práticas esportivas. Tal fenômeno ocorre com o objetivo de massificar e reproduzir padrões considerados ideais para acessar um determinado circuito esportivo de alcance global, que é popularizado pela mídia internacional.

Essa realidade é sinuosa: se requer produtos e serviços padronizados, em contrapartida tende a valorizar elementos regionais, com o mero intuito de reforçar focos de consumo e atender a demandas específicas de micromercados consumistas. Assim também ocorre nos circuitos esportivos de artes marciais. O evento competitivo só é valorizado do ponto de vista de sua globalização, se congregar representantes das mais diversas regiões e de metodologias de lutas diferentes. A síntese entre as lutas emerge da grande variedade de contradições existentes.

Embora esses fatos tenham sido considerados do ponto de vista do encontro dessas contradições na mesma arena de combate, somente recentemente a questão estrutural foi alterada: anteriormente, as regras favoreciam a luta no chão, mas atualmente estão privilegiando o combate em pé, embora muitas lutas sejam decididas no chão, onde o nível técnico apresentado está cada vez melhor.

As lutas no solo têm um grande adversário: a mídia. A própria dinâmica de um espetáculo de tevê busca colocar mais ação e movimento em seus eventos, aliados obviamente à violência. Nesse sentido, as características intrínsecas de um espetáculo de entretenimento televisivo obrigaram a alterar as regras originais do Ultimate figthing, devido à demora na finalização dos combates no solo e à monotonia da própria luta, uma vez que, no chão, os lutadores podiam demorar o bastante para esperar uma falha fatal do adversário, o melhor momento para agir, descansar etc. Essas condições foram analisadas pelos produtores do espetáculo midiático, as regras foram alteradas e os prazos para os lutadores permanecerem no chão em atitude de combate foram diminuídos.

Além disso, muitos lutadores, fortíssimos fisicamente, começaram a dominar as técnicas do Jiu-jitsu brasileiro, se não para bem aplicá-las, para neutralizá-las. Esses dois fatos deram início a um novo estágio nos desafios de vale-tudo. Entramos na era dos super-homens do vale-tudo.

7. A era dos super-homens do vale-tudo

Conforme nossa hipótese preliminar, atualmente a disputa não é mais entre as metodologias de lutas ou guerra entre estilos. O advento do lutador completo – sem levar em consideração sua formação original, mas sua preparação e condição real para enfrentar qualquer lutador independentemente de tempo e estilo de luta – configura o cenário atual do vale-tudo. Portanto, o tipo de arena e regra de combate é que determina que preparação física, técnica e psicológica o competidor deve desenvolver. Esse fato é muito importante porque ele se diferencia de todos os demais processos de internacionalização de lutas. Assim, o praticante de caratê deve reproduzir apenas técnicas de caratê para poder ser bem aceito no circuito internacional de sua modalidade. O mesmo ocorre com o praticante de judô, Tae kwon do, Capoeira, Boxe, Kickboxing etc. No caso do Vale-tudo, não. O lutador, para ser prestigiado, admirado e vencedor, deve desenvolver técnicas de todas as lutas, porque o que está em jogo não é mais o estilo de luta, e sim a competente preparação do lutador. Mesmo o praticante de Jiu-jitsu não pode prescindir de incorporar técnicas desenvolvidas por outras lutas em seu acervo, ainda que, muitas vezes, argumentem serem donos também dessas técnicas.

O mais relevante é que o processo de globalização das lutas apresenta duas grandes vertentes:

1) As diversas especializações de estilos de lutas realizam seus próprios circuitos internacionais, reproduzem suas práticas internacionalmente, buscando preservar valores secularizados, e muitas delas chegam a radicalizar posturas na direção contrária ao ecletismo;

2) As técnicas de todas as artes marciais, tendem a convergir na direção da estruturação de uma nova forma de luta, capaz de enfrentar, em qualquer arena de competição, todo tipo de lutador, sob regras que permitem a finalização do combate na forma de briga de rua, guardadas as devidas proporções. É permitido bater livremente, até o adversário desistir, ou sair de combate, por nocaute.
Esse tipo de lutador tem uma nova predisposição psicológica, motivacional e ética. O que está em jogo para ele é vencer o adversário, usando técnicas livres e muito violentas, capazes de tirar de ação seus adversários. Socialmente, esse novo grupo de gladiadores tem tido enorme aceitação popular, sobretudo por grupos aficionados.
Certamente, formarão opinião e influenciarão gerações, uma vez que sua existência está vinculada umbilicalmente ao processo de democratização política e comunicativa em nível internacional. Assim, as lutas são parceiras relativamente fortes do processo de globalização, por alimentarem, com seus eventos, grandes redes de comunicação internacional e integrarem virtualmente milhões de aficionados a elas. São eventos reproduzidos em praticamente todos os lugares, mas com maior ênfase no Japão e nos EUA. Eventos diversos de artes marciais, baseados em novas regras, porque estão em evidência e têm grande aceitação popular, costumam acontecer em todas as cidades.

8. Tendências no mercado das lutas globais

O processo de globalização tal qual está se consolidando no mundo implica a interpenetração de valores e práticas sociais com uma dinâmica peculiar, estabelecida por meio de ações que ocorrem de fora para dentro, no sentido do internacional para o nacional e do regional até o local. A reação ocorre no sentido inverso. A tendência mais significativa é haver predomínio dos processos de massificação exógenos, em virtude da força dos meios de comunicação e da tentativa de padronização dos processos de consumo.

O advento do comércio eletrônico e do consumo telematizado customizado de serviços, manifestos na indústria de vídeos, DVDs e TV acabo, tipo pay per view, seguramente vai dar a tônica dessa dinâmica globalizante e suas contrapartidas.

Nesse mercado global, as lutas têm uma participação significativa, tanto pelo seu apelo espetacular, no sentido de serem utilizadas para o lazer, quanto na sua reprodução. Sua dinâmica implica desde a busca de formas de defesa pessoal, cada vez mais demandadas nas sociedades violentas e agressivas como as atuais, até sua própria prática como formação profissional. Nesse ambiente, são criadas condições objetivas para alimentar um sofisticado e complexo sistema de reprodução das lutas e conseqüente consumo de produtos e serviços, como ocorre nos demais esportes.

Essa dinâmica seguramente reflete a significativa participação dos esportes, no caso das lutas, no grande e avassalador processo de globalização das relações sociais, econômicas e culturais desta época. A tudo isso se deve acrescentar a expansão de valores cínicos no seio da sociedade, que admite a violência aplicada institucionalmente e convive, com naturalidade, com processos de exclusão social e de degradação humana, como se fossem partes estruturais de um sistema social global. O forte componente cínico na estrutura moral da sociedade internacional se revela, inclusive, na transformação da miséria humana em negócio.


9. Narcisismo, lutas e mercado midiático

A construção de uma imagem poderosa no imaginário coletivo induz o lutador a desenvolver estratégias pervertidas de sobrevivência, baseadas em uma razão cínica, na lógica da violência, na catexização patológica (concentração de energia psíquica), que visa à manutenção de um modelo social narcisista e excludente e à utilização de mecanismos de defesa virulentos. Sua percepção de mundo o leva a um posicionamento conflitivo, na maioria das vezes, porque percebe que sua realidade é imaginária. Obriga-se a construir uma imagem mítica, e a sua manutenção exige esforços indescritíveis.

Ser obrigado a representar uma imagem construída, com base em um projeto midiático, irreal, mimético, pode causar sérios transtornos psicossociais. O mergulho no universo da mimetização tende a transformar o Ego – o que se expressa socialmente – e abalar o Self – o ser –, desequilibrando-o sistemicamente. As conseqüências podem ser comportamentos paranóicos e atitudes neuróticas, o que causa sofrimentos sérios, pois seu referencial de mundo e sua percepção de si são confrontantes, não complementares. Vive-se uma irrealidade, uma representação mimética. Sempre se está no limite.

Os conflitos existenciais decorrentes dessa ruptura na percepção/ação neurótica da realidade podem transformar o indivíduo em uma criatura dividida, um ser incapaz de se posicionar corretamente perante a realidade e de desenvolver padrões de convivencialidade aceitáveis. Os personagens midiáticos são mitos, pertencem a um universo de representações. Sua hegemonia, entretanto, cresce no universo social, não só em nível das representações, mas em influência sobre a vida real e em todos os setores da sociedade.

Essa superposição induz a confusões na forma de percepção e no envolvimento que se estabelece no âmbito emocional e político, por interferir na configuração de costumes, nos modos de ser, nas atitudes, nas referências simbólicas e discursivas e alcançar um alto grau de influência ideológica. O universo midiático e suas representações influenciam fortemente as relações humanas entre os grupos sociais envolvidos.

No caso específico dos modernos gladiadores de ringues virtuais, sua influência sobre os jovens e adultos aficionados destas modalidades de luta é significativa, porque os leva a consumir produtos e serviços próprios desses circuitos, além de influenciar simbolicamente novos valores e atitudes que legitimam, no grupo ou em segmentos sociais afetados, padrões de comportamento distorcidos, fanatizados e neuróticos.

Percebe-se a construção de uma identidade visual e discursiva própria desses grupos. São criados, entretanto, seres paranóicos, que se submetem à lógica da razão cínica para sobreviver em um mundo virtualizado, irreal, mas concreto; duro e cruel, sob vários aspectos. O fenômeno dos gladiadores pós-modernos, considerados super-homens, que sobrevivem narcisicamente em ambientes potencialmente paranóicos, sob a égide da razão cínica, reflete as atuais condições de convivência entre os humanos e sua relação com a natureza. A razão cínica pressupõe a violência, porque a legitima e a institucionaliza. No que diz respeito aos espetáculos marciais, a violência é apreendida de forma diferenciada e aceita gradualmente, e sua dosagem varia entre as várias culturas marciais e os estilos de lutas. No campo da filosofia ou na área da educação, as artes marciais, em sua essência, preconizam o controle da violência, a autodisciplina e a fraternidade. A prática dos vários estilos de lutas em seus circuitos competitivos específicos exige que a violência seja controlada por regulamentos e códigos de ética rígidos. Ocorre, ainda, padronização na disseminação de técnicas de combate e valores éticos. Os praticantes conhecem as regras da modalidade, seus limites e possibilidades.

Nos modernos espetáculos sincretizados, os gladiadores precisam se submeter a regras estranhas à sua formação marcial original e são obrigados a se adaptarem rapidamente a regulamentos que não conhecem, portanto sua adaptação a esses circuitos é geralmente traumática.

Os maiores beneficiários desse circo são os promotores, os capitalistas do espetáculo marcial global. A sincretização dos estilos ocorre pela via da violência física, política e psicológica. Nesse aspecto, o globalismo marcial, de acordo com o ponto de vista dos circuitos profissionais, consolida uma cultura de violência, de truculência. Os valores morais e os mecanismos de relacionamento entre essa imensa comunidade internacional configuram um modo de ser, uma filosofia de vida. Nessa arena global, evidentemente são recrutadas pessoas que têm perfil para enfrentar os desafios profissionais próprios das rinhas, e se destacam aqueles que conseguem passar por todas as dificuldades inerentes à carreira de lutador profissional.

As lutas implicam catexias radicais, cujas conseqüências podem ser drásticas, se considerados os componentes paranóicos presentes e as neuroses obsessivas que engendram. A era dos super-homens do vale-tudo denota a expansão de uma lógica política e comercial que privilegia, antes de tudo, a mercantilização de sentimentos humanos, de emoções. Esse profissional do combate é um trabalhador cuja profissão o obriga a investir, masoquistamente, no prazer de curtir a dor, decorrente de pancadas desferidas e recebidas como se fossem atividades normais do trabalho marcial. Pancadas violentas e demolidoras fazem parte do negócio do vale-tudo. Trata-se de uma atividade de trabalho, e deve ser bem exercida, pois é condição para o sucesso profissional. “No pain” é um slogan corrente no meio do vale-tudo.

A catexização das lutas revela um componente profundo da estrutura mental humana, a qual permite ao homem enfrentar seus medos projetando-os no adversário. As lutas entre humanos se vinculam à fase fálica, quando questões relativas à lógica do poder e do narcisismo emergem com toda força.

Como conseqüência da expansão capitalista, a globalização apresenta nuanças significativas. No âmbito da violência, é muito mais destrutiva do que todas as outras etapas do capitalismo. Suas armas são de tal monta destrutivas, que são capazes de “deletar” pessoas. Já no universo dos processos comunicacionais decorrentes da expansão da indústria do entretenimento, da comunicação e do lazer, o globalismo quase consegue transformar a realidade concreta em um imaginário total, como se tudo fosse virtual. É como se nova dimensão espacial e temporal existisse – um virtual-real.

O globalismo induz à expansão da cultura do mimetismo, da representação, do faz de conta, do sonho, dos videos games, da “worldisneyzação” da realidade, e pretende transformar a violência em produtos e serviços virtuais. A realidade virtual tende a se misturar com a realidade como em Matrix, o filme. Os espetáculos marciais do vale-tudo não procuram construir ídolos não-humanos, mas super-homens capazes de vencer a todos em uma arena virtual. O imaginário coletivo percebe uma nova cosmovisão, na qual seres míticos/ virtuais convivem com a pessoa comum em dimensões nem totalmente reais, nem totalmente imaginárias. Uma característica dessa época é a interpenetração de dimensões e percepções de mundo variadas e a configuração de estilos de vida focados em uma espécie de vouyerismo virtual, que enseja a interação simbólica e emocional em níveis não experimentados, ainda.

A dor e o sangue fazem parte do jogo. A possibilidade de fazer sucesso, de se tornar célebre, no mais estrito sentido proposto por Andy Wharol (15 minutos de fama), e ganhar dinheiro é o que conta! São as motivações básicas, pois ídolos são vencidos rapidamente! Há sempre alguém mais forte, mais bem preparado e disposto a ocupar o pódio do número um. O sistema é montado exatamente para aumentar a competitividade, a lucratividade e, obviamente, a rotatividade. Assim, inúmeros nichos de mercado são supridos de produtos e serviços, dando o ritmo desse motor capitalista. As estratégias de merchandising tornam-se poderosas, porque são estruturadas para dar vazão a uma imensa demanda de símbolos que atendem a inúmeras expectativas emocionais e fidelizam consumidores não somente vinculando-os aos seus ídolos, mas a todo o sistema.


Conclusão

A globalização vista pelo prisma da interpenetração de sistemas que reificam expectativas individuais e coletivas, assim como produtos e serviços específicos, revela a magnitude da interdependência das ações humanas. Há um encadeamento orgânico entre os diversos sistemas.
No mundo do entretenimento, mais especificamente no mercado de lutas profissionais, a tendência é haver mais concentração de investimentos oriundos de todos os setores que compõem essa cadeia produtiva globalizada e produzir novos produtos, serviços e aplicações sociais e econômicas, gerando transformações culturais e aumentando a força política de tal segmento.

A dinamização de setores correlatos, que atuam tanto na formação de super-lutadores, quanto na montagem e comercialização de espetáculos, com toda sua variedade de subprodutos vinculados à saúde, tecnologia, mídia e outros setores afins, expressa a vitalidade desse mercado. Evidentemente, tais círculos virtuais serão aperfeiçoados de acordo com sua capacidade de mobilizar públicos, investidores e demais atores desse fantástico drama social.

Não obstante o notável progresso que o setor experimentou na década passada, ainda se encontra no começo de uma jornada potencialmente promissora. O século XXI registrará um período fantástico da história das artes marciais, será uma época de magníficas superações, em todos os sentidos.


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ECONOMIA SEXUAL E NARCISISMO

1. Midiatização Virtual da Realidade

A análise crítica de alguns comportamentos sexuais considerados perversões por alguns setores da sociedade e de suas conexões com o narcisismo é objeto deste trabalho.

Serão consideradas estratégias narcisistas – nesta análise – formas/ mecanismos/simulações de/para sobrevivência no mundo globalizado, no qual a erotização da vida e o consumismo sensualista estabelecem um modelo sociocomportamental inédito. As pessoas sofrem impactos diferenciados decorrentes desse processo, que gera graves:

a) Neuroses individuais – Manifestam-se geralmente em decorrência de crises de identidade individuais, quando o desejo de liberação sexual induz a ações liberalizantes por meio de relacionamentos diversos e a partir do desdobramento desse tipo de relacionamento, ocasião em que aparece a culpa, freqüentemente em decorrência do receio ou da tentativa de não ferir paradigmas familiares, religiosos, sociais e até existenciais estabelecidos, mas que não são aceitos na totalidade pela pessoa.

Surge o conflito valorativo entre o preestabelecido e a realidade individual, a forma própria de perceber os fatos e viver a vida. Essas neuroses se manifestam por meio de dilemas existenciais, que afligem a maioria das pessoas, obrigando-as a assumir papéis sociais/sexuais socialmente estabelecidos. Tal fenômeno ocorre na escolha de parceiros e de modalidades de práticas sexuais, também determinadas e conflitantes com as expectativas pessoais. Conflitos neuróticos decorrentes de formas obsessivas/opressoras de fidelidade conjugal impactam profunda e negativamente o equilíbrio sistêmico do indivíduo.

b) Intensos conflitos grupais – Manifestam-se nitidamente nas relações familiares, nas quais ocorre a imposição de valores e padrões comportamentais preestabelecidos. A família tende a não aceitar papéis sexuais diferentes dos convencionados entre seus membros. Em âmbito mais abrangente, grupos sociais externos dificultam a inserção em seu meio de pessoas com comportamentos/ preferências sexuais destoantes das expectativas convencionadas.

Esse fato induz a formação de grupos homogêneos, dificultando bastante a interação intergrupal. Assim, grupos são formados com o objetivo de suprir necessidades sexuais específicas. Isso se torna visível entre grupos gays, com suas diversas especificidades, e outros grupos específicos que se reúnem para práticas sexuais diferentes das convencionais.

c) Conflitos existenciais profundos – A aceitação social, seguramente, é expectativa prioritária de todo indivíduo. Os valores grupais/sociais configuram a roupagem das expectativas de realização de projetos existenciais individuais. A divergência de procedimentos verificada nas pautas de comportamento sexual e nas expectativas individuais leva, pelo menos potencialmente, a sérios embates psicológicos sobretudo entre o ego e o superego, conforme a perspectiva freudiana. As pressões exercidas, no seio do grupo por expectativas dissonantes levam a crises psicológicas e comportamentais variadas.
Vejamos: há uma expectativa (paradigma) hegemônica, reproduzida historicamente, impondo-se sobre as demais expectativas, as quais não encontram condições para sobressair da esfera do grupo. Essa expectativa dissonante não encontra espaço sequer para se comunicar, debater, ou se expressar mediante qualquer uma das formas convencionadas e grupalmente aceitas. O conflito gerado entre as expectativas / imposições superegóicas e as expectativas / aceitação oriundas do self (expressão individual única) pode gerar um ego fracionado, dotado de revestimentos que escondem a real dimensão do self.

Não há convergência entre as expectativas dessas agências psíquicas – o superego e o self. Portanto, os impasses existenciais que se estabelecem a partir dessa divergência de expectativas são profundos. São reflexos de um choque concreto entre forças psíquicas conservadoras na sua concretização formal (comportamentos/valores) e forças revolucionárias, uma vez que a cristalização e a manifestação dessas últimas, de forma hegemônica, alteraria o sistema psíquico grupal vigente, abalando a estabilidade do status quo.

O argumento básico desta análise é o seguinte:

O processo de midiatização da sociedade global influenciou a transformação do sexo em mercadoria de uso e troca, estimulando a representação de comportamentos considerados perversões sexuais e a expressão midiática narcísica da sexualidade socialmente considerada pervertida, quando comparada a padrões convencionados.

É possível justificar a ocorrência/manifestação de comportamentos considerados perversões sexuais na sociedade atual como ações derivadas de estratégias mercadológicas de indução ao consumo de determinados produtos (todo aparato material de suporte à prática sexual) e serviços (a ação/prática sexual em si).

Comportamentos movidos pela influência do sistema midiático de persuasão ao consumismo e pela ação dos produtores de desejo/necessidade (criação de demanda), assim como a indução ao narcisismo, que se manifesta como estratégia de sobrevivência do cidadão-consumidor, no mercado sexual.

A problemática da sexualidade humana tem, antes de tudo, tanto em grupo, quanto individualmente, uma fundamentação política. As relações humanas e sexuais são interdependentes, pois é necessária a participação de, pelo menos, mais um, para que se concretizem (mesmo a automasturbação tende a remeter a uma relação imaginária com outrem). São também desiguais no quantum de energia emocional, física e psíquica aplicadas por pessoa que pratica. Tais relações são estabelecidas a partir da luta pela satisfação de desejos, “taras” e fantasias as mais variadas e decorrentes de cada estrutura mental, que, por sua vez, realiza uma trajetória histórico-existencial específica.

O conflito individual/grupal decorrente da disputa pela satisfação de desejos sexuais sofreu, ao longo da história, inúmeras transformações qualitativas. Durante as últimas décadas do século XX, verificaram-se intensas mudanças nas relações de gênero e emergiram novos papéis desempenhados por atores sociais/sexuais que puderam se expressar mais plenamente, sobretudo os homossexuais. A liberação da sexualidade feminina tornou-se realidade em quase todos os ambientes sociais. Todavia, a pedofilia, prática sexual tolerada em outras épocas, emerge como uma perversão detestada internacionalmente por vários sistemas sociais e políticos vigentes. E atinge em cheio a Igreja católica e outras instituições até então resguardadas pela política, como a instituição médica, por exemplo.


Mercado e Neurose

O aumento da demanda por capacitação profissional, por maior competitividade e por mais eficiência no desempenho individual e em equipe gera, como conseqüência, um incremento coletivo no índice de neuroses. A humanidade experimenta, neste início de milênio, um processo intenso de transformações estruturais que abala todo o arcabouço histórico e valorativo vigentes. Esse fenômeno altera paradigmas sociais e psíquicos, levando a um questionamento existencial sem precedentes na história humana. Parece claro que os modelos vigentes não se adequam às demandas da atualidade.

Entretanto, a própria sociedade, como um todo interdependente, ao perceber a transitoriedade do momento, não está conseguindo estabelecer formas, modelos e processos que tornem mais amena essa transição. O futuro, apesar de ser o resultado das decisões atuais, paradoxalmente está se tornando mais imprevisível, em razão da complexidade das questões sociais, políticas, econômicas e ambientais e da profundidade dos dilemas existenciais envolvidos. Essa turbulência impacta profundamente as estruturas psicossociais atingidas.

Uma conseqüência visível está na crise estrutual do modelo familiar patriarcal, que se dissolve gradativamente. As relações de poder, as inovações tecnológicas, a ação da mídia e o advento da realidade virtual, o rompimento de fronteiras físicas, a democratização radical do processo político e sua ação sobre o microespaço, bem como o encurtamento das distâncias e seu impacto sobre a percepção do tempo e do próprio espaço configuram, junto com as demais variáveis, abrangente e sem precedente processo de mudança psicossocial.

E é exatamente esse ineditismo que torna o homem atual um ser perplexo diante das realidades concreta e virtual que se constroem em ritmo alucinante. Esse impasse coloca o indivíduo diante de um grande vazio existencial, mas, ao mesmo tempo, assustado diante do oceano de possibilidades que se abrem aos seus olhos.

2. Globalização midiática

A globalização midiática é caracterizada pela expansão generalizada de processos tecnológicos intercomunicativos e conseqüente impacto sobre as pessoas e organizações. Por isso, esse fenômeno cresce em alcance e profundidade e enseja novas formas de comportamento social. Cria, também, condições para a emergência de padrões diferenciados de relacionamento entre pessoas e grupos sociais em âmbito internacional. O atual intenso processo de transformação social aumentou o espaço de articulação entre categorias sociais consideradas minoritárias em quantum de poder, tais como mulheres, negros, homossexuais e outras. Mas essa exponenciação espacial teve sua efetividade minimizada, uma vez que sua ênfase ficou restrita à aparência, pois o discurso e a ideologia machista recrudesceram. Isso é visível quando se observa o processo decisório político e a ação dos meios de comunicação. Mesmo havendo modificações institucionais e legais, a prática ainda é discricionária. A percepção e aceitação do outro, do diferente de si, é um conflito social estrutural, de conotação civilizatória. Para mudá-lo, serão necessárias transformações individuais muito profundas, capazes de influenciar estruturalmente grupos e sistemas sociais.

A dominação machista está vinculada aos interesses e práticas dos partidos políticos hegemônicos, das seitas religiosas dominantes – geralmente fanáticas e excludentes em sua prática, pois privilegiam grupos e interesses específicos – e das economias espoliadoras e concentradoras de riqueza material. Politicamente, permanecem agindo favoravelmente aos homens, gênero dominante na relação entre os sexos.

Por mais paradoxal que pareça, esse estilo de dominação prevalece entre os mais jovens, pois o modelo idealizado de beleza, virilidade, sensualidade e saúde é o jovem. Ocorre, inclusive, mistura entre os padrões físicos masculino e feminino. O masculino tende ao estilo “homem-fêmea”, suave, esguio, liso, e o feminino, à “mulher-macho”, forte, guerreira, viril. Esses perfis são idealizados pela indústria cinematográfica (O filme Matrix é um marco) e pelas modernas campanhas publicitárias de grifes de moda, nas quais os modelos masculinos e femininos se confundem, tudo tende ao unisex.

Pode-se considerar que a globalização midiática cristaliza grande estrutura autoritária de “dominação jovem”, na qual valores e desejos específicos prevalecem no imaginário midiático coletivo, na forma de produtos e serviços disponibilizados no mercado de consumo global. Essa categoria social ainda não está totalmente formatada, mas vai um pouco além da chamada teen age e não passa dos 30 anos de idade.

Essa convergência de interesses na organização produtiva da vida social desconsidera o mundo idealizado pelas demais categorias sociais com idades cronológicas diferentes. Sobretudo as mulheres, como um todo, os idosos e as crianças são obrigados a se esforçarem para se inserirem no mundo dos machos, mesmo efeminados, não viris, mas ideológica e politicamente machos e jovens modelos que dominam o universo do consumo humano. Por causa dessa e de outras condições, a questão sexual torna-se política. E as conseqüências são graves e até patológicas, tanto em nível psíquico quanto social. Se considerarmos que o indivíduo tem profundas, quase abismais, dificuldades de participar de um mundo real construído – desde suas fundações – para excluí-lo, reprimi-lo sexualmente e controlá-lo em seus demais desejos, essa condição fica mais patente.

A repressão sexual tornou-se um poderoso mecanismo de controle social, para evitar a absolutização da instituição paterna. A análise mitológica freudiana dessa questão descreve que o assassinato do pai representa o primeiro crime político existencial da história humana. Foi cometido em nome do direito à liberdade, à plena satisfação do desejo edipiano, à liberdade de dar total vazão aos instintos sexuais em seus estados naturais, acivilizados. Constitui um crime contra a civilização, porque o pai representava a ordem, o status quo.

Uma ordem baseada na partilha desigual de poder e direito à satisfação instintual em seu estágio natural. A conseqüência desse ato contra o pai ensejou nova partilha de poder sobre as fêmeas e deu nova vazão aos instintos sexuais, reordenando-os politicamente. Mas, paradoxalmente, criou as bases sociais para a desconfiança, a traição e as alianças circunstanciais. Fez, também, surgir o pai como instituição social. A busca de identificação do pai (gerador) no seio do grupo (bando, horda primitiva) estabeleceu as bases da futura monogamia e do controle masculino sobre a sexualidade feminina. As mulheres foram separadas como reprodutoras da espécie humana, a partir de interesses políticos primitivos dos homens, mais propriamente do pai – hegemonicamente a figura mais proeminente neste drama social.

Nesse contexto, construiu-se a hierarquia patriarcal dominadora, egoísta e centralizadora. Desse enigma, surgiu também a impossibilidade da plena satisfação sexual, tanto para as mulheres quanto para os homens. Assim, os instintos e os desejos primevos passaram a ter controle grupal. Como solução política sexual buscou-se, então, o consenso, o interesse político do grupo, visando à manutenção de uma ordem grupal.

A impossibilidade de plena satisfação sexual foi mais cruel para as mulheres nos seus relacionamentos. Sob vários ângulos, não puderam optar e escolher uma condição mais favorável aos interesses de seus instintos.

Nesse início de século, a questão sexual assume uma conotação política muito forte. Os movimentos de libertação feminina ocorreram intensamente em todo o Ocidente, no século passado, e atingiram o mundo todo com suas ações e reivindicações. No universo mulçumano, a condição feminina ainda é, social e politicamente, muito desprivilegiada. E essa precariedade se revelará ainda mais marcante, se impactar negativamente a possibilidade de realização dos desejos e satisfação das pulsões dos instintos sexuais.

Não obstante todo movimento político-sexual de cunho emancipador, os gêneros estão em crise relacional. A quebra de paradigmas sexuais secularizados – a ruptura de identidades e papéis sexuais consolidados historicamente – colocou em cheque as relações sexuais e suas práticas. O sexo tornou-se um grande negócio, com um potencial comercial muito além das práticas primitivas de exploração da prostituição. Aliou-se ao crime organizado e à indústria do entretenimento e tornou-se um serviço global.

Transformou-se em mercadoria virtual. Passou a ser parte da estratégia de sobrevivência de milhões de mulheres oriundas de segmentos sociais menos favorecidos economicamente de países do segundo, terceiro e até do primeiro mundo. Esse fenômeno atinge também milhares de homens, que se prostituem como se fossem mercadorias. A expansão do meretrício masculino no mercado internacional, entretanto, ainda é residual, pois o poder pertence aos homens e sua lógica de exploração político-sexual é dominante.

Com o rompimento das fronteiras políticas discricionárias durante a década de 80, fenômeno que aconteceu em quase todo o mundo, a pornografia tornou-se uma poderosa forma de expressão artística, cultural e comercial. Foi aceita como produto de consumo, em vídeos, revistas, filmes, shows etc., pela mais reacionária mentalidade capitalista pós-vitoriana, a norte americana, com o seu fantástico mercado de consumo, e também pelos demais mercados.

O mercado que sustenta o american way of life é, também, bancado pela prostituição internacional e suas sofisticadas redes e estruturas logísticas, pela indústria multimilionária da pornografia – cujo sistema produtivo absorve, juntamente com personagens americanos, modelos e atrizes de todos os continentes, sobretudo de países cujas economias não oferecem alternativas de trabalho tradicionais e são incapazes de absorver as várias demandas reprimidas. Concomitantemente, também é mantido e incentivado pela indústria internacional do sexo e seus derivados, na forma de produtos e serviços.

O turismo sexual gay revelou-se uma estratégia decisiva para a disseminação internacional da Aids em seus primórdios; e o turismo não gay, que sobrevive às custas, entre outras variáveis, da superexploração sexual de adolescentes em vários países, inclusive da pedofilia, e de uma rede altamente tecnologizada e bem estruturada no universo virtual, revela um grande e promissor setor para a economia da perversão sexual virtual e também para os setores da repressão e regulação social desse fenômeno – o potencial de negócios é surpreendente.

Esses segmentos dessa economia são reforçados pela indústria de medicamentos, preservativos, cosméticos e demais adereços necessários ao funcionamento de seus setores, além de apresentarem uma estrutura logística complexa, configurando verdadeira cadeia econômica e gerencial produtiva internacionalmente. A mídia e seus veículos sempre enfocam o lado sexual dos acontecimentos, explorando suas manifestações não ortodoxas, bizarras e até chocantes, como agressões violentas contra mulheres e velhos e a pedofilia.

O sexo combina com tudo, com esportes, com política e cultura. Nos EUA, por exemplo, é usado, técnica e profissionalmente, como instrumento de manipulação política e serve para desviar a atenção pública, bem como justificar guerras e vários outros tipos de barbarismos (durante o governo Clinton, setores da imprensa norte americana e européia, divulgaram que o governo norte americano cogitou bombardear o Iraque como forma de desviar a atenção da população para o escândalo sexual Clinton/ Mônica Lewinski.

A questão sexual neste início de década assume uma perspectiva mais ampla. Os problemas sexuais individuais são, todavia, cada vez mais profundos, uma vez que o indivíduo, homem e mulher, tem, em tese, plenas condições de satisfazer seus desejos sexuais. Mas outras variáveis interferem e interditam o processo de satisfação, gerando profundas frustrações e estresse emocional. Essas variáveis são de ordem econômica e ideológica, geralmente religiosa e cultural, configurando conflitos pessoais e grupais diversos. As neuroses de ordem sexual são fortemente influenciadas por dilemas considerados absurdos, com freqüência, pelo senso comum.
3. Mídia, Sexo e Imaginário

Com o recente processo de erotização da vida, nova configuração midiática tomou conta do imaginário coletivo. Os meios de comunicação, sobretudo a tevê, a videopornografia e as revistas eróticas ocuparam enorme espaço no ambiente comunicacional e econômico. Isso significou que o marketing, com todo seu poder de persuasão, voltado especificamente para satisfazer desejos de forma personalizada, ao planejar o consumo da mercadoria sexo, construiu um universo erótico fascinante e capaz demobilizar milhões de pessoas e trilhões de dólares. O mundo sensual entrou em turbulência coletiva recentemente, pois os modelos e práticas sexuais secularizadas perderam sua força de coesão social, aquela que estabeleceu o status da família burguesa tradicional e suas práticas cristalizadas pelas estruturas sociais conservadoras.

As instituições sociais historicamente incumbidas de reprimir desejos, como a igreja, a escola e a própria família, entraram praticamente em estado falimentar, ante a voracidade da explosão universal do desejo do orgasmo e as novas formas de consegui-lo. O maior mérito desse fenômeno foi, sem dúvida, a democratização do discurso sexual entre gêneros e instituições. O radicalismo discursivo chegou a ponto de estabelecer novos padrões éticos como o assédio sexual nos EUA, cujas sanções incidem sobre a criança que ainda não formou sequer seu superego, agência psíquica conservadora e reguladora de comportamentos e desejos individuais. Ainda na fase edipiana, uma criança é incriminada judicialmente por beijar espontaneamente outra criança, mesmo sendo um beijo não erótico, nem sensual.

Criou-se também a indústria da exploração fanática de situações eróticas na política, situações íntimas, que se tornam argumentos políticos poderosos, de oposição. Situações que são exploradas pela mídia, conforme a hegemonia de interesses econômicos e políticos que detém o controle dos meios de comunicação. Assim foi o caso Lewinski, na era Clinton, nos EUA, em passado recente.

A sexualidade, neste século, tudo indica, será uma questão pungente a ser debatida politicamente, devido à força política potencial decorrente de questões como a união civil entre homossexuais e a adoção de crianças por casais gays, o direito ao aborto, a clonagem e seu impacto sobre a vida em sociedade, em todos os aspectos, com ênfase na bioética.

Com a globalização dos desejos, a indústria do turismo sexual explodiu e atua intensamente, de forma segmentada. Há turismo para homossexuais de todos os tipos; e existe oferta de satisfação para todos os desejos na emergente economia de serviços e suas estratégias de atendimento personalizado (customização) às demandas de consumo.

O uso indevido da tecnologia de informação favoreceu o crescimento das redes internacionais de prostituição e enfatizou a universalização virtual da pedofilia, que se tornou crime virtual e expôs aspectos até então ocultos de instituições vistas, pelo senso comum, como acima de qualquer suspeita, como a católica e a médica. Crianças tornaram-se alvos de perversos desejos sexuais, e suas imagens são expostas nas telas de microcomputadores e cristalizadas como produtos da realidade virtual, cujo impacto social é concreto. A internet abre os caminhos, e o espírito de Sade navega por suas infovias, percorrendo trilhas já não tão secretas. A Aids foi o produto mais marcante que o turismo sexual criou no século XX.

O desejo sexual aliado ao dólar e a liberação política das fronteiras econômicas compõem a síndrome da explosiva virtualização da economia sexual. Apesar dos males, a liberação foi positiva, pois desnudou, publicizando, manias, “taras”, obsessões e fixações sexuais as mais diversas. Mostrou a rede internacional de pedofilia e suas entranhas organizacionais, revelando principalmente as vísceras obscuras da instituição religiosa, desvendou a mentalidade pornográfica internacional e denunciou redes internacionais de prostituição e de tráfico de mulheres e crianças, principalmente na Espanha, Brasil, Oriente Médio, Rússia e Ásia. O imenso mercado de produtos e serviços mostrou seu potencial econômico e suas múltiplas facetas humanas, com a globalização tecnologizada.

De qualquer modo, a sociedade erótica se manifesta perversamente em qualquer direção. Instituições sociais religiosas fanáticas usam, como estratégia contra-revolucionária, pela força do convencimento “mágico”, o argumento de que é necessária a imposição de um padrão comportamental sexual contra-revolucionário. Seu objetivo é conseguir que os indivíduos voltem a estágio pré-revolução sexual, pré-liberalização sexual. O padrão proposto por essa moral gera, antes de tudo, tensão, conflito e neuroses as mais diversas; porque a sexualidade humana, nestes tempos, parece não apresentar condições de retroagir e voltar a admitir a “possível pecaminosidade” de qualquer atitude sexual, seja mental ou física. A pregação a favor da abstinência sexual entre a juventude norte americana proposta pelos Bush expressa o clamor do conservadorismo reacionário dos arautos da hipocrisia, na atualidade.

A verdade é que o desejo sexual existe e não é possível contê-lo pela força de argumentos mágicos, religiosos, incompatíveis com a realidade social atual. Em contrapartida, valores sociais e econômicos poderosos controlam o comportamento sexual de forma diferenciada. São valores culturais de cunho regionais, machistas e chauvinistas, entre outros, que incidem sobre o comportamento social, político e psicológico dos gêneros. São, geralmente, mais nocivos às mulheres.

4. Sexo, perversão e realidade virtual

O uso intensivo da televisão permitiu o crescimento de sua influência sobre o cotidiano social. Inúmeros aspectos de uma nova realidade imaginária foram configurados, de forma a compor o mosaico virtual da percepção humana na pós-modernidade.

A quebra de inúmeros paradigmas ideologicamente secularizados por sistemas tradicionais de dominação política e cultural permitiu a consolidação de novas formas de ações comunicativas. Formas essas capazes de engendrar novos valores e diferentes matizes às relações humanas, atingindo plenamente o comportamento social. Sobretudo no que se refere à sexualidade, as mudanças foram muito significativas, pois o sexo, considerado mercadoria para consumo e satisfação de desejos, deixou de ser oferecido apenas em casas de prostituição, tradicionalmente constituídas e aceitas pelo moralismo conservador que vigorou desde a idade média. Tornou-se um serviço oferecido ao consumidor pelos tradicionais meios de comunicação e pelas novas mídias telecomunicativas, em grande escala e com muito poder de persuasão.

O século XX foi marcado por intensas mudanças valorativas e comportamentais referentes à sexualidade e à prática do sexo, como atividade humana, em suas conotações física, orgânica e psicológica. O sexo tornou-se, explicitamente, um elemento constitutivo do jogo político entre os gêneros, além de permear todo o processo social que estabelece a luta entre grupos pelo controle do poder. A forma como o sexo é percebido e praticado pelas diversas sociedades e a pressão exógena dos meios de comunicação sobre esse fenômeno implicaram fortes mudanças sociais e políticas em praticamente todo o mundo. Ocorreu uma revolução planetária de ordem comportamental e consumista, a partir da prática liberal do sexo.

Assistimos, ao longo do século XX, o sexo tornar-se objeto de diferentes disputas no bojo dos sistemas de dominação política em vigor. A política do sexo, de forma geral, envolve profundas disputas das mais variadas ordens. Geralmente, apresenta implicações econômicas e abrange valores existenciais e padrões comportamentais que refletem a busca do bem-estar individual e a liberação de condições para satisfação de desejos.

A moral civilizada, segundo Freud, consolidou-se baseada na repressão, e esta favoreceu os interesses masculinos, uma vez que a divisão social dos papéis e do trabalho engendrou um pacto entre os gêneros, beneficiando, pelo menos parcialmente, o homem. Este teve, apesar de toda repressão, maior controle sobre o relacionamento com a mulher e mais liberdade de ação. De fato, o poder político foi detido pelos homens desde as mais remotas eras.

Esse modelo de organização social teve suas bases fragilizadas mais intensamente a partir dos anos 60 do século XX, pois a percepção social e econômica do sexo e dos costumes mudou o foco: a mulher ocupou novos espaços em setores considerados produtivos da economia – uma vez que o trabalho doméstico, apesar de estafante e profícuo, não é ainda hoje visto como atividade produtiva – e passou a dispor de mais acesso ao mundo dos homens. Entendeu melhor seu papel social e reavaliou estrategicamente seu potencial, reposicionando politicamente sua ação. Sob vários aspectos, passou a controlar a situação, Em algumas sociedades conservadoras, como a norte-americana da década de 1960, o acesso ao sexo no casamento dependia, em última instância (a política), do consentimento da mulher/esposa. O uso do recurso político da greve de sexo tornou-se um legítimo instrumento de pressão na disputa política entre os gêneros, por espaço no mercado de trabalho. Isto implicou a abertura de espaço social para a livre expressão feminina. Essa mesma sociedade conservadora, mercantilizada e politizada engendrou a estratégia do assédio sexual como arma política, sobretudo utilizada nas organizações e aplicadas às relações de trabalho.

A acirrada disputa entre os gêneros produziu resultados efetivos e que foram publicizados no Ocidente de forma intensa. As mudanças estabelecidas nesta parte do mundo influenciaram, de diferentes formas, outras partes do planeta, nas quais percepções do sexo variam do radicalismo religioso e político até as mais bizarras situações, mas sempre em prejuízo do sexo feminino, salvo poucas exceções. ( No Brasil de 2006, nascem anualmente, 800 mil crianças sem que os pais assumam a paternidade (fonte: Tese, UnB). ) get it

O impasse da politização das relações sexuais constitui um relevante problema ainda não estudado a contento, a ponto de esclarecer, com a devida clareza, os mecanismos de subjugação/aceitação que representam o domínio efetivo do gênero masculino sobre as mulheres. Entretanto, no mundo ocidental, as conquistas femininas foram marcantes e, desde a segunda métade do século passado, a chamada revolução sexual e suas conseqüências históricas começaram a tomar corpo, alterando regras estabelecidas e ensejando novas formas de participação social e interação sexual. Esse fenômeno possibilitou a discussão de questões sociais de ordem sexual até então confinadas a mentes individuais, pequenos ambientes domésticos, ambulatórios médicos, hospícios, prisões etc. A politização da sexualidade implicou, portanto, grandes méritos para o desenvolvimento humano, sobretudo no que se refere à igualdade de direitos. Pelo menos em tese, a revolução sexual democratizou a possibilidade, do orgasmo.

O conhecimento do próprio corpo, o detalhamento das emoções sensuais e a erotização do consumo, via mercadorias e serviços consentâneos, permitiram ao mundo ocidental experimentar e estabelecer, de forma mais direta, novos paradigmas comportamentais. Foram viabilizados novos espaços para ações entre os gêneros no ambiente social sexual. Essa nova dinâmica sexual impactou decisivamente a sociedade internacional de várias formas. A erotização deixou de ser tabu, tornou-se negócio; e a sensualidade passou a ser cultuada como estilo de vida declarado e legitimada socialmente.

A exibição narcísica do corpo e a explicitação dos desejos sensuais tornaram-se elementos estruturais de uma nova ética corpóreo-sensual. A busca pelo orgasmo tornou-se um explosivo movimento social que atingiu seu ápice no final dos anos 60, com o movimento internacional pela paz, amor e sexo livre. Fazer sexo tornou-se uma ação político-contestatória. Libertária, mesmo! Foi, de fato, uma grande viagem existencial. No entanto, o vôo estava apenas começando, pois o dilema sexual humano apenas começava a mostrar suas verdadeiras faces. A liberalização da ação sexual significou também a explosão de desejos contidos pela força da socialização superegóica. Os gêneros assumiram sua crise existencial, e a sociedade, como um todo, chocou-se e se fascinou, a um só tempo. Mas a questão sexual foi definitivamente colocada na agenda política e econômica internacional.

5. Sexo virtual, rodovias e prostitutas de beira de estrada

A mercantilização do sexo tornou-se uma linha de produção virtualizada, uma vez que o sexo pode ser encontrado, para consumo, de diversas formas. Basta que o indivíduo conheça as trilhas, os códigos, as senhas e conecte-se. Geralmente, o sexo virtual é barato. E é fácil entrar no mundo mimético do sexo, no qual a imaginação é estimulada, por muitas vias e sentidos, e o prazer orgásmico virtual pode ser atingido facilmente.

O uso dos mecanismos tradicionais de marketing, por seu turno, implicou redesenho na oferta de serviços sexuais e nova denominação para a prostituição. Na Europa, principalmente nos países nórdicos, durante a década de 1970 e subseqüentes, tornou-se comum a oferta de prostitutas em vitrines, como se fossem mercadorias expostas, para escolha do consumidor, em lojas comerciais. Narcisicamente exibiam-se a interessados.
A imagem da mulhersexo-mercadoria (posteriormente, surgiu também o homem-sexo-mercadoria) tornou-se um símbolo na indústria do consumo de produtos e serviços eróticos em todo o mundo. A prostituição feminina assumiu diversas facetas sociais nas mais diversas sociedades.

A exibição narcísica do corpo e suas possibilidades de uso configuram uma nova tipologia de produto, pois sua produção vinculou-se a produtos suplementares que aumentam, em tese, seu poder de erotização e sensualidade. Esses produtos, oriundos da indústria de produtos e artefatos de cunho erótico e sensual, visam a aumentar a ação dos sentidos, como o olfato, o paladar, a visão, o tato, tudo isso com o objetivo de erotizar o corpo e o ambiente.

Pretendem estimular o consumidor, levando-o ao reino da imaginação sensualizada, no qual pode realizar qualquer desejo, ainda que mimeticamente. A mimetização sexual tem se tornado um fenômeno significante na sexualidade pós-moderna, principalmente em decorrência dos impedimentos gerados pela Aids, da tentativa de evitar a gravidez, do crescimento do voyeurismo e da videopornografia. O sarro (o ato sexual não finalizado pela introdução peniana) tem se tornado um paradigma mimético da sexualidade pós-moderna. Essa prática permite o exercício de quase todas as variações sexuais sem, necessariamente, haver penetração peniana. Ocorre também o crescimento de práticas masturbatórias variadas, individual e grupal.

No que se refere às vitrines sexuais, o fenômeno das “putas de beira de estrada” (prostitutas que se posicionam em pontos estratégicos em rodovias, ruas, estradas e outros pontos) é significativo. Sua concretização ocorre em uma das estruturas mais poderosas da sociedade industrial: a indústria automobilística e o movimento intenso da sociedade urbanizada e suas vias intra e interurbanas. O estilo de vida ocidental, com toda sua dinâmica, está presente nessa realidade. Esse fenômeno cresce em manifestação devido ao aumento do movimento das ruas e rodovias nas cidades. Esta condição obriga motoristas a diminuir a velocidade, por conta dos congestionamentos de carros, do controle do trafégo e do próprio desenho urbanístico e viário das cidades.

A estratégia de usar os cruzamentos de ruas e beiras de estrada para colocar outdoors, placas, faixas promocionais foi adotada pelas agências de publicidade com muito êxito na economia virtual. Segundo pesquisas realizadas pelo Instituto Sondagem, de Belo Horizonte, em abril de 1999, os outdoors foram a segunda mídia de maior retorno publicitário para o comércio, ficando sua mensagem fixa na mente do consumidor, perdendo apenas para a tevê.

As mulheres sexo-mercadoria, geralmente prostitutas pobres e travestis, também concorrem nesse espaço, ao se posicionarem à beira de estrada, realçando seus dotes físicos. Em Brasília, costumam ficar de costas para mostrar a bunda, como alvo sexual e maior atração física. Fato reforçado pela mídia televisiva, por meio de danças e músicas erotizadas, como as cantadas pela banda É o Tchan.

A revista Bundas de 06/1999 publicou vários artigos interessantes. Logo no início, mostra a foto de duas mulheres nuas de costas como parte de uma matéria, cujo título “Armas de Guerra” era bastante significativo. Mas o assunto mais interessante foi tratado na reportagem central chamada “Sociologia”. Ali, estava à mostra uma foto com seis brasileiras jovens, realçando suas bundas, em posição semiagachada, convidativas ao sexo (dança das garrafas popularizada por Carla Peres). A matéria visual é sobre bundas e o perfil físico das mulheres. A bunda seria uma “ferramenta de trabalho”. Serve à ascensão social em uma sociedade erotizada e sem espaços democráticos para outras estratégias de ascensão social. Em tese, continua valendo a expressão grosseira do senso comum: “Uma boa bunda bem administrada rende mais do que qualquer poupança”. Esse mecanismo espetacular de sedução recruta milhares de adolescentes. Informações oficiosas noticiaram que cinco mil jovens concorreram pela vaga de Carla Peres, a dançarina requebradeira que foi destaque da banda É o Tchan.

Tal qual outdoors ambulantes, as prostitutas de beira de estrada postam-se em pontos estratégicos, geralmente onde a afluência de carros é intensa e a velocidade tende a reduzir levando os motoristas a diminuir sua atenção na estrada e desviar o olhar para as vitrines outdoorsbundas e para pontos pitorescos ao redor de seu caminho. As prostitutas se vestem de acordo com a moda, mas, obviamente, de forma exagerada, realçando sua sexualidade, quando não ficam parcialmente nuas. As prostitutas de beira de estrada são, muitas vezes, travestis que fascinam o consumidor com o seu corpo esculpido a silicone e o bizarrismo de sua própria condição.

Afinal, a erotização narcísica mimetizada torna o bizarro atraente e legítimo à lógica do capitalismo virtual customizado. O mercado sexual aderiu ao marketing, inclusive no que se refere à logística, importante componente do moderno mix de marketing. Assim, os serviços sexuais na pós-modernidade são disponibilizados de forma a atender a qualquer demanda de consumo, seja por telessexo, sexo virtual por telefone, internet, revistas etc. Entre as acompanhantes de luxo, que até fazem as vezes de esposas, ou companhias socialmente institucionalizadas, muitas têm formação superior e utilizam o sexo como instrumento de trabalho. Esse comportamento expressa uma estratégia existencial arrivista e sexualizada, para ascender socialmente e buscar melhor posicionamento na sociedade – atualmente estratificada, mais por acesso ao consumo do que por sua origem social e nível de conhecimento.

Contudo, as prostitutas de beira de estrada mantêm vivo o risco e o desafio a tudo e a todos, pois aceitam as regras das estradas e ruas da pósmodernidade. Sua relação com a clientela geralmente é efêmera e única. Sua solidão é virtual, sequer se incomodam com o nome ou a face do usuário, seus corpos são só mercadoria para uso sexual instantâneo, uma válvula de escape, apenas. Geralmente fazem sexo no carro do cliente, ou em qualquer lugar, em um “moitel”(expressão usada por prostitutas para designar locais próximos a estacionamentos, como moitas, árvores, que servem para prestar seus serviços sexuais). Um local qualquer, e voltam ao ponto comercial, para continuar a exibição narcísica e intensa de baixa auto-estima.

Bleichmar (1985, pg.15) afirma:

“O desejo narcisista – Eu, o melhor – determina que escolha como prazer erótico aquela forma que os demais não praticam. ... Em última instância, tudo pode servir para satisfazer o desejo narcisista, cuja essência é sentir-se único, diferente, superior a todos os demais, recebendo um olhar que assim o ateste. A moral, a inteligência, a estética, a sensualidade são capazes de ser metabolizados dentro do sistema narcisista, com o objetivo de afirmar a sublime diferença em relação àqueles que não possuíssem essas qualidades. O gourmet ou o bon vivant não é simplesmente um sensual, mas sim alguém que se contempla sendo-o, e grande parte de sua satisfação deriva do conhecimento que se atribui no sentido de saber viver.
O narcisismo, árbitro supremo no homem, pode fazer com que goze tanto com a liberação das pulsões como com sua repressão. Nessa ordem de coisas, o grito do orgasmo vai muito além de ser linguagem expressiva de prazer do corpo: é comunicação para o próprio sujeito e para o outro de que é capaz de alcançá-lo e de produzi-lo. É o orgasmo do narcisismo, e por isso sua ausência poder doer tanto ou ofender.”

A manifestação narcísica equivale à busca pelo correto posicionamento, conceito fundamental no marketing. Sua eficácia demanda correta estratégia de visibilidade, seja no que se refere ao visual e/ou ao emocional. O desafio do marketing é gerar um correto posicionamento no coração e na mente do consumidor. Se essa ação for feita com correção, o consumidor se lembrará da marca do produto/serviço assim que a necessidade de consumo aparecer.

No caso das prostitutas de beira de estrada e das mulheres-sexomercadoria, a bunda é o alvo sexual mais visado, por isso expressa, simbolicamente, a possibilidade de ação e poder, mas é submissão ao fetiche masculino, à dominação machista, pois é o homem quem “come” a bunda, satisfazendo pulsões instintuais.

usualmente, as prostitutas de beira de estrada são desesperançadas, pessoas que não conseguiram sequer um espaço físico para se prostituírem e disputam um não-lugar para se posicionarem. São mercadorias-sexo-mulher virtuais. Não têm identidade, fazem parte de um jogo de risco, no qual tudo pode acontecer em troca de um pouco de dinheiro, seu michê é o menor entre as prostitutas. Essa relação econômica obedece à seguinte lógica: há pontos comerciais valiosos, variam de acordo com o movimento. É um processo similar à disputa por pontos privilegiados entre motoristas de táxis. Há pontos com maior movimento, que atendem a quem tem mais poder aquisitivo, e há aqueles que nada valem. Similarmente, as prostitutas de beira de estrada, que ficam ao longo de rodovias com pouco movimento, quando conseguem um usuário, são obrigadas, ainda, a fazer desconto, porque precisam realmente daquele dinheiro. Além do que, geralmente, o cliente não é abonado. Quase sempre é alguém tão sem dinheiro quanto elas.

Se compararmos o valor econômico dos serviços prestados pelas acompanhantes que atendem em domicílio, hotel, motel, ou recebem seus clientes em suas casas e combinam encontros pelos celulares, ou anunciam seus serviços em classificados de jornais, com a qualidade das ofertas de serviços das prostitutas de beira de estrada, a diferença é significativa, inclusive, conceitualmente. As primeiras se apresentam como acompanhantes, se oferecem para participar do espaço social, do mundo do cliente. Ocupam, com essa estratégia, vazios socioexistenciais que peculiarizam o cenário dramático desse tipo de relacionamento humano. Sua ação propõe conferir legitimidade social aos clientes, em geral carentes e necessitando, inclusive, de sexo. Mas, antes de tudo, precisam de envolvimento. Vão almoçar ou jantar, vão dançar, se divertir, e só depois fazem sexo. Obviamente, estas profissionais também fazem só sexo. Na maioria das vezes, só fazem sexo. Mas sua proposta é mais abrangente, tende a obedecer a uma lógica específica do capitalismo global-virtual: exercitam uma modalidade específica de time-sharing do seu corpo; alugam o uso de seu corpo por um determinado espaço de tempo, com o objetivo de proporcionar entretenimento. Elas se prestam a oferecer prazer na forma de lazer à clientela. O cliente pode usufruir seu corpo e companhia por um espaço de tempo a um preço pré-combinado, com os custos indiretos incluídos, na maioria das vezes sem pechincha, diferentemente do que ocorre com as prostitutas mais pobres.

6.Desesperança e posicionamento existencial

Os serviços prestados pelas prostitutas de beira de estrada têm conotação diferente: prestam-se a aliviar tensões circunstanciais. Visam a matar o desejo momentâneo que aparece quando o prospect (cliente potencial) as vê no seu caminho. Elas são meras válvulas de escape e têm o poder de estimular sexualmente um ninguém, em um não-lugar. Não é uma relação típica de envolvimento emocional e erótico. Está mais para o fast-food, cuja proposta de saciar a fome velozmente se alastra pelo Planeta. Esse fato é significante, pois denota claramente a essência da erotização virtual e sua tendência massificadora. É possível conseguir sexo virtual e relações efêmeras em qualquer tempo e lugar. O fenômeno da personalização (customização), dos desejos de consumo e os avanços do sistema logístico do capitalismo virtual permite sejam atendidos, a preços convidativos, serviços de telessexo, de websexo; ou, se o consumidor preferir, será atendido em um hotel, como hóspede. Para tanto, pode solicitar o book (cardápio sexual) ao recepcionista/porteiro/segurança/camareira e escolher a companhia/sexo/mercadoria/serviço que lhe apetecer e puder comprar.

A desesperança de uma pessoa, um ser sem referência, sem paradeiro, sem identidades social e política definidas, revela desencanto profundo com a vida. Expressa, ainda, incapacidade social de vencer. Também revela incapacidade de ser perseverante na busca de uma oportunidade que permita obter adequado posicionamento no mercado. A imposição de estar bem posicionado é cristalizada pela necessidade de sobreviver. É preciso ser visto, lembrado e solicitado, para não ser literalmente esquecido, deletado. O ostracismo virtual pode ser visto como uma exponenciação, um efeito perverso das estratégias de banimento, que, ao longo da história, foram punitivamente aplicadas. Na era da virtualidade global, humanos são anonimalizados e esquecidos instantaneamente. O que se percebe é a hegemonia de flashes, videoclipes, imagens fugazes, retratando cruelmente a efemeridade. Fenômeno pontualmente registrado por Andy Wharol, ao afirmar que todos teriam, na pós-modernidade, supostamente, quinze minutos de fama. A lógica do posicionamento incide duramente sobre as organizações e atinge profundamente os posicionamentos existenciais individuais, em uma era em que o capital se globaliza e o humano se individualiza velozmente, anonimalizando-se. Os paradoxos construídos a partir dessa esquizofrênica relação darão a tônica dos dilemas humanos nas próximas décadas. São labirintos de vazios preenchidos de imagens fragmentadas e percepções instantâneas e voláteis que se disponibilizam às pessoas para que decidam o próximo passo. Os referenciais históricos estão fragilizados e são, na prática, inadequados, porque se referem ao realizado, e não ao que virá.

O posicionamento existencial no mundo virtual global, se submetido à lógica do pensar global e fazer local, constitui grande desafio aos humanos e suas organizações, pois as estruturas físicas que configuravam os modelos referenciais tornaram-se fugazes e trasmutantes. Muitas se virtualizaram. Esse é o caso do ponto físico, do lugar, do logradouro, das raízes originais que conferiam peso centrípeto às identidades sociais. Como se posicionar corretamente em um não-lugar é um problema fundamental em um mundo globalizado. A sociodinâmica virtual expressa sua força e impõe novas estratégias existenciais às pessoas.

Essa situação implica também profundo nomadismo e acentuada incapacidade de estabelecer vínculos de relacionamento. Pode acarretar, em contrapartida, um estado de desespero significativo, decorrente da incapacidade de se conseguir espaço de forma produtiva no ambiente formal de trabalho. O mercado está estruturado para funcionar de forma excludente. Caracteriza-se pela oferta seletiva de espaço produtivo. Essa condição é real mesmo para pessoas que têm formação profissional legitimada socialmente. Muitas vezes, a prática do sexo torna-se a última coisa/mercadoria/patrimônio/ serviço a ser comercializado para gerar renda e garantir a sobrevivência. Nesse particular, a lógica capitalista se revela na forma mais excludente e sectária, uma vez que nem todas as categorias sociais e pessoas podem participar ativamente desse mercado discricionário e sazonal, embora com funcionamento ininterrupto.

A mídia universaliza a possibilidade de sucesso pelo uso do corpo/sexo/ mercadoria/bunda, mas o processo seletivo é afunilador, pois a demanda é por um mito, uma imagem (Xuxa, Carla Peres, Tiazinha, Feiticeira, Rita Cadilac e muitas outras) em um universo virtual. A dinâmica dessa “realidade mimética” estimula o consumo e atiça desejos e “taras”latentes.

A bunda comunica! É um veículo de comunicação! Propaga mensagem implícita de estímulo ao consumo. O “rabo fetichizado”, a única saída! O fetiche da mercadoria, tão bem criticado por Marx, configura o imaginário do marketing da miséria, no qual partes do corpo podem ser comercializadas como componentes de uma estratégia de sobrevivência em uma selva virtualizada. Nesse ambiente, o canibalismo mimético revela o nível de desenvolvimento humano na pós-modernidade.

Diante dessa realidade, torna-se questão relevante definir onde e como comercializar o corpo, ou partes dele. A decisão de quem vai comercializar o corpo é tomada tacitamente, em geral induzida pelo desespero e desesperança, além de motivações psíquicas submersas. Essa decisão é pessoalmente dolorosa, pois é pressionada psicossocialmente por valores e paradigmas históricos tradicionais de uma sociedade judaica-cristã-burguesa e suas paranóias. Nela, o indivíduo sofre pressões fortíssimas para assumir a vontade do grupo, sempre em detrimento da sua própria vontade. A sociedade institucionalizou a prostituição como prática aceita em condições ilegítimas, mas reluta em legitimá-la, embora a pratique intensamente. Paradoxo!? A decisão de vender o próprio corpo, ou partes dele para uso sexual é quase o último recurso disponível, a última poupança, a última moeda. Assim, para quem não tem paradeiro, nem rumo, as ruas e esquinas do mundo tornam-se os únicos redutos nos quais as prostitutas podem se postar qual mercadorias em liquidação. Promoção virtual, instantânea, expõe-se cruamente. Tornam-se outdoors ambulantes. Assumem valor de produto posicionado no mercado de consumo virtual, representam um negócio: o fast-food sexual, a la Felini.

Essa condição leva ao rompimento de quase todos os valores pessoais, morais, éticos e político-existenciais vigentes. A pessoa deixa de ser humana e torna-se mera mercadoria, pura e simplesmente regida pela lei da selva de asfalto, desumana por natureza. Essa cruel quebra de identidade e a obrigatoriedade de exibição narcísica do corpo como mercadoria é uma exigência formal do posicionamento midiático. A figura precisa ser notada, mas carece de visibilidade. Isso a obriga a assumir nova identidade, agora de ordem mimética, fetichizada, geralmente de forma bizarra.

Essa identidade é forjada nos subterrâneos do imaginário de um mercado de consumo pervertido e que não valoriza qualquer sentimento de outra ordem. Nele, as relações são efêmeras, materiais e mercantis, ainda que haja troca e consumo de energias física, sexual e material. Suas formas tendem ao bizarro, promovem clones siliconizados, os travecos, os drag queens. Os seios avantajados pelo uso do silicone configuram um modelo de época, decorrente da influência da globalização norte-americanizada, que intenta impor tetas artificiais, oriundas de um sistema político/econômico que se esmera, cada vez mais obsessivamente, em mamar, sugar, espoliar, sem dó, as nádegas características de povos que se aperfeiçoaram, ao longo da história, em servir, quer seja pela força da escravidão, quer pela sua índole dócil e servil, como, etnocentricamente, justificavam os colonizadores. A pobre África e a América Latina, com suas bundas miscigenadas, configuram o grande manancial de um mercado de consumo neoliberalizado e desigual, no qual uma pequena parte consome e a maioria produz a sua própria desgraça, enquanto todos querem gozar.

Esse confronto comercial de partes insinuantes do corpo/mercadoria/ sexo/consumo, nesta era de globalização, fragmentação e customização, tende a levar ao bizarrismo mais excêntrico. Se considerarmos os avanços da engenharia genética, da cirurgia plástica e de sua industrialização mercantil, além do processo de customização no atendimento aos desejos de consumo, podemos visualizar um mundo com novas formas físicas, muitas bizarras, pois são diferentes e derivam das mais indescritíveis modelagens e desejos humanos.

A busca por espaço social e identidade é constrastada à realidade vazia, caótica e alucinada, pois enseja percepções as mais diferenciadas possíveis e fragmentadas. Resta, então, a perversão narcísica como possível estratégia de sobrevivência no mercado virtual da erotização e da sexualidade, com todos seus aparatos e produtos tentadores.

As prostitutas de beira de estrada podem representar, simbolicamente, todas as categorias sociais sem identidade política definida, sem paradeiro, rumo, destino ou direitos, que são jogadas ao relento, ao tempo, submetidas a todas as intempéries que atingem bilhões de pessoas no planeta e configuram um cenário pervertido da sexualidade humana pós-moderna. Os transeuntes/ clientes/consumidores/prospects, figuras também narcisicamente pervertidas, continuarão sua trajetória neste bizarro circo tautológico, no qual a repetição de ações padronizadas, como se fossem estruturas de um drama social virtual e mimético, sincronizam um processo político-existencial de ações repetitivas e escravizantes, porque embotam a percepção e induzem à repetição mecânica, ainda que em uma realidade digital como a que vivemos. Mudam os personagens, mas o espetáculo, teleologicamente, continua, e as pessoas são apenas passageiros neste circo de agonia, no qual a possibilidade de novidade está apenas no cruzamento de personagens diferentes, em um contexto qualquer no mesmo drama social, neste enigmático compasso de espera existencial.


7. Razão cínica e economia sexual

O processo de virtualização da sexualidade humana, mediante a aplicação dos instrumentos da lógica capitalista de marketing, obedece à mesma estruturação da produção de campanhas publicitárias para lançar novos produtos e serviços. Embora não sejam tão articuladas gerencialmente, é mais um complexo processo social. Assim, a utilização dos classificados dos jornais para oferecer serviços sexuais os mais variados e destinados a atender aos mais diferentes, estranhos e exóticos desejos sexuais tornou-se um lucrativo negócio:

1. Os vendedores de serviços, homens, mulheres e homossexuais;

2. A indústria de produtos eróticos que usa o mesmo espaço publicitário para promover seus produtos;

3. os agenciadores, pessoas físicas – cafetões e cafetinas – e jurídicas;

4. Empresas que administram a prostituição em seus vários segmentos: femininos, masculinos e gays e outros;

5. Os jornais, ao promoverem em seus comerciais esses serviços, aprofundam sua participação comercial no mercado, pois a segmentação na oferta é uma lucrativa estratégia de ação;

6. O consumidor, o usuário, aquele que irá contratar os serviços, mediante pagamento, para satisfazer seu desejo de localizar alguém que possa saciar suas “taras”, desejos etc.

7. Anunciantes: clínicas médicas, terapeutas, massagistas, empresas que vendem serviços correlatos, como o telessexo e outras que buscam a mesma clientela.

8. Os produtores de sexo que anunciam nos classificados dos jornais, revistas e tevê precisam descrever seus produtos de forma diferenciada, nos jornais e revistas carecem de um bom texto, com redação publicitária adequada, fotos sensuais e tudo mais;

É um setor do mercado muito bem organizado que funciona articulado na forma de uma rede, com uma linha sincronizada de produção de serviços e mercadorias. Existe profunda interdependência, uma solidariedade orgânica. É uma forma articulada de funcionamento do processo produtivo.

Com as prostitutas de beira de estrada, tal fenômeno não acontece nos mesmos moldes. Elas precisam se produzir fisicamente de forma a estimular o prospect – possível cliente – a se motivar para o consumo instantâneo, fast-food. Para tanto, devem usar outras estratégias baseadas na lógica da casualidade. Esse processo social também é articulado, mas não tão sincronizado e organizado como os demais. Outra estratégia de comercialização do sexo é a utilização da Internet, o que configura, com muita propriedade, a virtualização do sexo.

8. Conclusão

A casualidade é a estrutura físico-existencial que move esse notável setor da economia sexual. As possibilidades de combinação de elementos imprevisíveis que levam o consumidor desse tipo de serviço sexual são incontáveis. Desse arranjo, baseado no acaso, no desejo instantâneo e no aproveitamento das condições circunstanciais, surge nova sincronicidade psicossocial e sexual. Tal convergência de fatores engendra outras formas de articulação entre consumidor e prestador de serviços. Assim se estrutura uma cadeia produtiva complexa, fugaz, que se reproduz utilizando os mais variados mecanismos de comunicação humana e relacionais, próprios de uma época na qual o efêmero se institucionaliza e a percepção fragmentada do real torna-se característica marcante dos humanos que se globalizam. Nesse contexto, embota-se o discernimento e vive-se na superfície de um mundo complexo, contraditório e dinâmico, mas que permite se expressar e apreender de múltiplas formas, entre as quais se exponenciam a mimética e a virtual.


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IDENTIDADE SOCIAL E MIMETISMO

1. A desportivização da sociedade moderna

As relações sociais no meio desportivo foram objeto de original e fecunda reflexão sociológica por Norbert Elias em obras como O processo civilizador, A sociedade dos indivíduos, Esporte e ócio. Nelas, problematizou teoricamente a questão da desportivização na sociedade moderna, a sua gênese e a estruturação processual de âmbito civilizatório.

Sua reflexão considerou transformações do fenômeno esportivo na sociedade moderna como processo civilizatório. Abordou criticamente o processo de socialização das manifestações esportivas e suas formas organizacionais/ associativas, a partir do século XVIII.

Em sua análise, Elias considera formas organizacionais dos diversos movimentos esportivos e suas relações com o Estado e demais segmentos sociais, o que configura, com propriedade, um processo civilizatório específico. Enseja uma compreensão da sociedade moderna sob diferenciada perspectiva e permite entender relações sociais na circunferência cultural e valorativa, sob ângulos até então não contemplados com a devida ênfase pela sociologia.

Elias avançou também na análise crítica do comportamento de grupos sociais na conjuntura psicossocial, em busca de estabelecer nexos entre ações sociais, valores e cultura. Analisou o advento da realidade mimética (a imitação ou representação do real, a recriação da realidade consoante influências do meio social) no âmbito das representações sociais na Inglaterra do século XVIII. A influência desse processo no mundo ocidental e indiretamente na cultura oriental – fruto do colonialismo cultural – é marcante.

O contemporâneo mundo dos espetáculos culturais e esportivos pode ser entendido a partir da análise da dramatização mimética. A difusão dessas representações no âmbito da cultura tornou-se um padrão educativo e cultural, com lógica e estrutura organizacional próprias. Os diversos grupos sociais, culturais e esportivos, ao reproduzirem suas práticas, sob regras e normas específicas, padronizam comportamentos e reificam valores e códigos sociais mimetizados.

O fenômeno da mimetização – reprodução simbólica de movimentos corporais específicos e elementos culturais articulados e organizados sob determinado conjunto de regras aceitas socialmente – gera elementos comportamentais que se reproduzem, em escala planetária e de forma diferenciada, permitindo a identificação de grupos e valores específicos no conjunto da sociedade. Constitui elementos intrínsecos a uma identidade social específica, neste caso, a desportiva.

Com o advento da virtualização do processo comunicativo, a interpenetração de valores e de comportamentos sociais e a sincretização cultural da atualidade, é possível prever o crescimento da cultura mimética na sociedade global. Isso ocorre cada vez com maior intensidade em razão das demandas por produtos e serviços padronizados. A produção baseada em padrões internacionais de qualidade e em escala transnacional impõe ótimas performances organizacionais. Em outros termos, a sociedade global de serviços, eventos e espetáculos exigem que seus participantes assumam postura mimetizada, transformem-se em personagens de um mundo de aparência, mas real como espetáculo. Apesar de contraditória, essa é a realidade. É possível ao cidadão global se transformar em personagem real de um mundo virtual, do qual passa a ser integrante, contribuinte, consumidor, ator, integrante de um vídeo game real.

Elias percebeu a gênese desse processo. Constatou que o processo de aceitação de opostos políticos em uma arena parlamentar ocorria sob regras estabelecidas por acordos de cavalheiros, que proibiam realmente o extravasamento de emoções e desejos considerados guerreiros. Acontecia, na prática, um fenômeno de sublimação de humores, “taras e ganas”. Enfim, de vontades, que, em um determinado momento da história, precisaram ser domesticadas e o foram em um processo civilizatório que consolidou, ao longo do século XX, uma cultura dominante. Assim, desde o colonialismo, criouse o moderno imperialismo, ou melhor, atualizando o conceito, o globalismo virtual do final do século XX.

O crescimento do comportamento mimético na sociedade atual, reproduzido em escala planetária, ensejou o advento de uma cultura espetacular. O jogo, a representação mimética, passou a predominar no imaginário popular e nas expectativas do cidadão virtual. No ambiente cultural e desportivo, a realidade é o mimético, a representação. O profissional é aquele que melhor representa e joga o jogo mimético, qualquer que seja sua especialidade. A atual sociedade de consumo devora produtos virtuais. A informação concreta é produzida sobre a realidade virtual e mimetizada. Essa é a realidade de um mundo de cidadãos globalizados, que já não experimentam mais separação física nem diferenças culturais radicais.

Existe profunda interpenetração entre a realidade virtual e as demais realidades no mundo contemporâneo, fenômeno que sofreu decisivo impacto do processo civilizatório descrito por Elias. Hoje, a própria virtualização de processos informacionais e organizacionais expressa a comunhão de valoresmiméticos. Revela-se, assim, a ação de organizações estruturadas para reproduzir o imaginário, a representação, o jogo, cuja historicidade remete ao conflito beligerante – a guerra.

A possibilidade de a vida atual ser representada por um enorme vídeo game ficou patente a partir da Guerra do Golfo Pérsico, quando pela primeira vez a humanidade pôde participar, em tempo real, assistindo pela tevê, com cobertura jornalística especializada, aos ataques de forças militares ocidentais sobre o inimigo muçulmano. Embora não tenha o público tido acesso a imagens reais da destruição humana promovida por tamanho poder bélico, o acesso ficou restrito ao virtual, ao imaginário, àquilo que a censura aos meios de comunicações globais liberou. Vivemos, de fato, em um mundo onde virtual, o imaginário e o mimético são produtos reais para consumo. Mundo no qual a “verdade” é construída e editada pelas instituições. A veiculação de mensagens está subordinada às decisões dos editores de notícias, imagens, fontes etc. Os editores de “verdades” configuram uma nova estrutura política de poder na sociedade globalizada.

A dinâmica social esportiva tem padrões e estruturas particulares, pois permite a ação de diversos grupos sociais com interesses objetivos que nem sempre se pautam prioritariamente pela dimensão econômica. Ocorre, de forma nítida, um deslocamento do eixo propulsor do movimento de inúmeros grupos sociais cuja motivação para o trabalho está na realização de eventos para o lazer e o entretenimento, que são, de certo, novas formas de negócio. A própria multiplicação de movimentos sociais esportivos necessita de investimentos financeiros os mais variados, e a sua reprodução até o estágio em que se encontram só foi possível porque o esporte se tornou grande negócio.

O mercado esportivo tornou–se um mercado peculiar e diferenciado em sua regulamentação. Nele, a ação dos agentes sociais e empreendedores obedece a normas diferenciadas de outros setores do comércio e da indústria. Decerto, o comércio e a indústria no setor esportivo dependem de eventos e do impacto com que cada segmento atinge seu público consumidor, dinamizando econômica e culturalmente cada setor do mercado. Sob muitos aspectos, o evento esportivo comanda o processo produtivo, estabelecendo padrões de consumo e demandas específicas por produtos que serão consumidos a partir do sucesso do evento esportivo e da orientação direcionada por seus ícones.

Essa peculiaridade confere especificidade ao setor esportivo em relação à maioria dos concorrentes. Nesse sentido, o mercado esportivo está se consolidando, no contexto geral da economia, como um setor com lógica própria e demandas muito concretas. Isso ocorre porque exercita interface profunda com os meios de comunicação, a ponto de não ser possível considerar a possibilidade de crescimento desses dois grandes setores da economia internacional de forma independente.

Os maiores produtos do mercado esportivo são eventos e toda a estrutura de merchandising que é estabelecida a partir de um determinado evento. Existe um nexo estrutural entre o evento esportivo e toda a estrutura logística que se constrói em torno dele. Daí a intensidade das relações mantidas entre os diversos parceiros em uma empreitada esportiva. Consubstancia-se, assim, uma solidariedade durkeimniana (a divisão social do trabalho), pois a interdependência entre parceiros é condição objetiva para o sucesso empresarial no mercado esportivo.

Os valores vivenciados pelos agentes sociais no mercado esportivo são vinculados à saúde, ao bem-estar, ao estar de bem com a vida, à solidariedade e à ética. É claro que, nas relações competitivas que envolvem dinheiro e negócios, as regras são as da competição capitalista e geralmente ocorrem em ambiente de selvageria bem acentuado. Nem sempre obedecem a regras pontuais e democráticas de competição. Há apadrinhamentos, clientelismos e violação formal de todos os códigos de ética existentes. Isso significa a presença da concorrência capitalista desenfreada e surda nos bastidores, mas a imagem disponibilizada para o público é a da saúde, da beleza, da desportividade, do far play olímpico, na maioria das vezes.

A conjugação de valores e formas de ação aparentemente tão antagônicas confere ao mercado esportivo uma tônica própria, torna-o intenso e contraditório, sob muitos aspectos, e dinâmico e sutil, sob vários outros prismas. Elias, embora tenha estudado a gênese desse fenômeno, não fez nenhuma projeção futura sobre o potencial do mercado esportivo nem considerou o esporte um produto de consumo de massa, como está colocado nesta análise. Entretanto, é inconveniente desenvolver-se uma análise que parta de uma perspectiva histórica e desconsidere a obra de Elias.

Seu pioneirismo na análise sociológica do fenômeno esportivo revelou-se no estudo de significativos aspectos da realidade social do século XVIII, na Inglaterra. Colocou, criticamente, elementos consistentes da gênese do esporte moderno. As origens do moderno fenômeno esportivo, segundo ele, têm profunda relação com o processo de pacificação das elites guerreiras inglesas. Elias se reporta ainda ao advento do parlamentarismo britânico como um processo social de cunho civilizatório, pois sua formatação como processo político e decisório exigiu o desenvolvimento de um espírito coletivo no qual a paciência e a respeitabilidade foram os valores mais característicos. Tal processo civilizador gerou códigos de ética que regulamentaram formas de participação em eventos de interesse público para decisão política, exigindo o cumprimento de deveres e direitos. Elias avançou bastante na identificação de padrões psicossociais de domesticação de costumes e comportamentos coletivos, sobretudo das elites européias, que influenciaram decisivamente a sociedade internacional, desde os primórdios do colonialismo.

Nesse ponto em particular, sua obra é fecunda. Elias estruturou analiticamente o processo de construção de identidade social de grupos, ao considerar o processo de domesticação dos costumes e, mais adiante, o estabelecimento de regras para a prática de determinadas atividades que, depois, vieram a se configurar em modalidades esportivas, com cultura e padrões comportamentais próprios. Foi o precursor da percepção mimética da realidade socioesportiva e de sua importância para o moderno processo civilizatório, com seus processos catárticos e transes coletivos, em eventos caracterizados pelas manifestações coletivas de violência grupal nos encontros esportivos e outros padrões comportamentais característicos de grandes multidões nos ginásios esportivos.

São fenômenos coletivos fundamentais para o entendimento da atual sociedade de massas e consumo. Estabelecem um marco teórico que viabiliza a análise, em profundidade, de processos sociais e culturais que levam à reprodução mimética de eventos guerreiros históricos. Estes foram reduzidos aos modernos espetáculos esportivos com grande apelo e aceitação popular. As modernas arenas esportivas, com seus mais diversificados espetáculos e públicos diferenciados, configuram um universo de planetas esportivos específicos, com população e cultura próprias.

As grandes transformações sociais decorrentes do crescimento do mercado esportivo internacional e a construção de uma cultura desportiva internacional aproximaram pessoas em todos os continentes e estabeleceram pontos de encontro entre culturas historicamente diferenciadas e até antagônicas na esfera ideológica e cosmogônica. Essa sincretização global e virtual decorre fundamentalmente do crescimento e aprofundamento do movimento esportivo internacional de uma forma geral, sem levar em conta suas particularidades. Como processo social, configura um movimento transnacional de culturas, valores sociais e interesses, além de intensa mobilidade de grupos sociais em todo o mundo. Como marco teórico, ajuda a compreender essa turbulenta transformação social que ocorre em todos os níveis da sociedade internacional, cujos valores e processos culturais pertencentes às mais diferentes sociedades do globo estão em plena ebulição e choque, interpenetrando-se profundamente. Daí, sua atualidade.

1. Identidade social esportiva e mimetismo

Nessa perspectiva analítica, define-se a prática esportiva como uma atividade humana, individual ou grupal que aparece na sociedade moderna com vários objetivos. A vertente empresarial é a que, objetivamente, mais se destaca. Defende-se o argumento de que a profissionalização da atividade esportiva tem características próprias no âmbito organizacional eparticipativo. Valoriza-se essa atividade como uma tendência inexorável de nosso tempo, época de competição econômica agressiva e período no qual o homem busca seu espaço social e econômico mediante o desempenho de atividades não consagradas no processo industrial tradicional. Processo, seguramente, bastante estudado por analistas sociais dos mais variados matizes ideológicos.

Nesse caso, pretende-se caracterizar a ação esportiva na sociedade atual, considerando que as atividades tradicionais de trabalho estão mudando em sua essência:

a) atividades que o homem exercia para seu lazer e recreação tornaram-se a principal atividade para gerar renda para seu sustento pessoal e familiar;

b) muitas atividades que pessoas aprenderam para complementar sua educação, como artes marciais, danças e outras atividades físicas e culturais, passaram a ser a principal atividade na vida da pessoa, tornando-se sua profissão. Esse fenômeno caracteriza padrões de comportamentos sociais que atingem milhões de pessoas em todo o planeta.

2. A transformação do uso do tempo livre em atividade profissional

O crescimento da prática esportiva na sociedade contemporânea aumentou significativamente durante o século XX. A transformação mais marcante verificada na relação entre as categorias sociológicas esporte e sociedade está centrada no uso social da categoria tempo. Desde o início da prática da atividade esportiva moderna, principalmente na Europa, seu objetivo era a ocupação do tempo livre, mas vinculado ao atual conceito de lazer e, também, a atividades recreativas e de cunho lúdico.

A prática recreativa, no decorrer da história, requereu organização e alocação de força de trabalho qualificada especificamente, exigindo participação de pessoas habilitadas para organizar o lazer e a recreação. Necessitou, em conseqüência da própria reprodução da prática social, de espaços físicos e equipamentos adequados. Implicou, assim, delimitação social e espacial própria. Esse aspecto fenomenológico confere a devida especificidade à socialização do processo desportivo ao longo do século XX.

Tal processo se transformou historicamente a ponto de alterar a lógica da relação entre prática esportiva e tempo livre. O que antes era destinado ao ócio pessoal passou a ser ocupação real para inúmeras categorias profissionais – os profissionais do esporte. São pessoas que dedicam seu tempo e habilidades para viabilizar a prática desportiva recreativa, agora amadora e profissional.

Houve superposição dessas relações, e ao mesmo tempo passaram a ocorrer atividades destinadas ao ócio também com conotação profissional. A articulação entre essas categorias sociais engendrou relações decorrentes de novos usos sociais do tempo, quer seja livre, vinculado ao ócio, quer seja

não livre, vinculado à atividade produtiva profissional. Essa relação tornou-se mais complexa ainda, pois é comum haver esses usos do tempo em um mesmo evento social. Ocorrem diversas superposições. Para melhor explicar esse raciocínio, convém analisar a seguinte matriz:

tempo livre => ócio

O tempo disponível é destinado ao lazer, à curtição.

tempo não livre => não-ócio

É dedicado ao uso profissional, geralmente na forma de trabalho. Aplica-se o tempo disponível para ganhar dinheiro, e não para lazer ou curtição.

O advento do esporte contemporâneo configurou vasta gama de modificações estruturais nas relações sociais experimentadas por diversos segmentos sociais na construção de suas ações. É mais significativa, entretanto, a mudança no uso do tempo, anteriormente destinado ao lazer, à recreação, com o objetivo apenas de passar o tempo, sem visar a nenhuma compensação financeira. Enfim, o lazer, a recreação e qualquer outra atividade desse tipo não era encarada como atividade profissional por aqueles que dedicavam seu tempo livre a organizar tais atividades.

É inerente à dinâmica do mercado esportivo a demanda por produtos e serviços especializados e disponibilizados profissionalmente. Os meios de comunicação agem nessa direção, e as organizações sociais para desenvolvimento das várias modalidades também convergem nesse ponto.

Faz parte dos objetivos estatutários de várias associações, federações, confederações, ligas, clubes e outras entidades similares disseminar a prática dos seus esportes, livre de qualquer conotação empresarial, amadora ou profissional. Querem amplificar exponencialmente o número de praticantes de suas modalidades em todos os espaços do globo e expandir seus negócios. Essa estratégia de ação tem permitido o crescimento do esporte como prática social em todo o globo terrestre.

Consideradas as atuais tendências da economia esportiva, é possível prever crescimento exponencial das práticas esportivas nas próximas décadas, em razão do poder potencial de crescimento do mercado e sua estrutura espetacular, aliada aos interesses comerciais dos meios de comunicação, da indústria de equipamentos e serviços esportivos e dos promotores esportivos em geral.

A consolidação do mercado desportivo durante o século XX, sobretudo no período pós-guerra, ensejou mudanças comportamentais que atingiram as diversas sociedades nacionais de forma contundente. Permitiu o encontro de valores nacionais, que se transmutaram em valores transnacionais, pela aceitação tácita de regras esportivas que se tornaram universais. Isso é visível, ao se analisar o processo de assimilação de uma codificação ética transnacional por todos aqueles que compartilham das mesmas modalidades esportivas e suas organizações internacionais, com seu conjunto de regras e valores.

A reprodução de ações organizacionais no interior dos países e a aceitação de normas internacionalizadas geram condições objetivas para a consolidação de laços sociais e negociais em todo o planeta de forma muito intensa, entrelaçando grupos sociais diferentes em suas raízes, mas muito próximos, se considerados os aspectos esportivos que os unem.

As organizações esportivas têm grande poder de gerar procedimentos fraternos entre seus associados e estabelecer alianças políticas entre os praticantes de mesmas modalidades esportivas para ocupar espaço no mercado. A manifestação de uma possível identidade social desportiva compreende, entre vários outros aspectos, o compartilhamento de valores, regras competitivas e códigos de ética, além da reprodução globalizada de práticas e linguagens corporais, assim como a coordenação de ações esportivas, organizacionais e empresariais que viabilizem o cumprimento de calendários de eventos internacionais. São fatos que exigem sintonia e sincronização de ações tanto organizacionais, no sentido de produzir eventos que se reproduzem no âmbito interno das diversas sociedades nacionais, quanto de mobilização de pessoas e organizações para a sua realização.

2.1. Esporte, identidade e mobilidade social

O esporte exerce fascínio quase mágico sobre todas as gerações que incorporam valores esportivos ao seu cotidiano. Não é sensato considerar a vida contemporânea sem a atividade desportiva ativa ou passiva. O esporte tem atingido até mesmo as sociedades indígenas. No Brasil, ocorre, como iniciativa do Ministério dos Esportes, Os Jogos Indígenas. É uma política de governo. Interessante notar que existe uma seleção brasileira de futebol somente com jogadores indígenas.

Talvez o fator mais influente do esporte no âmbito interno das sociedades atuais seja a possibilidade de ascensão social mediante a prática esportiva. O fenômeno da mobilidade social individual e até grupal é marcante no meio desportivo, atingindo classes sociais, não como um todo, mas pessoas que se tornam referências públicas e modelos sociais. O esporte consegue mobilizar categorias sociais desprivilegiadas e proporciona alternativas de melhoramento da condição de vida e de alteração do status quo.

A questão da mobilidade social no setor esportivo pode ser analisada sob vários aspectos, considerando que o próprio setor apresenta características específicas. É um mercado emergente, com diversas oportunidades de crescimento em vários segmentos, ou tipo de iniciativa. O processo de ascensão social, caracterizado pela mudança de status social e econômico, é facilitado em várias direções, desde que apresentadas determinadas habilidades requeridas pelo mercado. Isso ocorre tanto na prática de determinadas modalidades esportivas, quanto na organização de negócios próprios do setor.

É comum encontrar pessoas oriundas das mais desfavorecidas categorias sociais que ascenderam a patamares mais bem situados na estrutura social. E isso ocorre com vários grupos sociais. O caso do futebol talvez seja o mais notório, por permitir que muitas pessoas oriundas de segmentos sociais desprivilegiados ocupem outras posições de prestígio na sociedade atual. Esse fenômeno também acontece com freqüência no setor das artes marciais e esportes de lutas. Fenômeno estudado pelo autor em sua dissertação de mestrado (TESTA, 1990).

Provavelmente em decorrência do esgotamento das oportunidades tradicionais de ascensão social em todo o mundo, os mercados emergentes estão se tornando novos centros de oportunidades de crescimento pessoal e social. A universalização das práticas desportivas favorece o crescimento do prestígio social e político de atletas e dirigentes esportivos. Tal fenômeno ocorre em sociedades que estão sendo reformatadas em toda sua estrutura ideológica, política e cultural.

A idéia de que as atividades produtivas esportivas podem ser consolidadas, como está ocorrendo, em um setor empresarial de produção de equipamentos e serviços, é reforçada pela própria prática experimentada pelo setor desportivo. Se no início do processo de desportivização da sociedade essas atividades tinham conotação de ócio e ludicidade, hoje ocorrem provavelmente até com o mesmo intuito, mas não apenas para viabilizar o lazer e o entretenimento social nas suas várias formas. São colocadas no mercado como atividades produtivas que respondem a demandas sociais específicas e consentâneas às modernas ideologizações da vida e toda sua esteriotipação, que convergem para o culto ao corpo e seus desdobramentos miméticos.

É interessante notar que as habilidades físicas decorrentes do domínio de práticas esportivas específicas e do investimento em padrões próprios de saúde e beleza estão sendo uniformizadas em todo o mundo, como se fosse possível homogeneizar biotipos físicos e tipos culturais, independentemente de sua história. Esse fato reforça a hipótese do advento de uma identidade física, fruto da padronização dos estereótipos do homem esportivo e social em relação a comportamentos coletivos. Isso ocorre na dimensão global em nível transnacional e é muito forte no setor esportivo, até porque, para atingir níveis realmente competitivos, os atletas têm de passar por processos de formação física, técnica e psicológica que os ambientem em condições de equivalência a seus adversários.

Essa condição já justifica a necessidade de uma padronização em vários setores da formação do atleta. Isso tem implicações organizacionais profundas, pois, para qualquer equipe ou organização manter seu time/atleta competitivo, tem de aceitar regras globais. Essas vão desde a preparação para competir em territórios adversários, sob toda sorte de adversidade advindas das condições ambientais e sociais, até a regras contratuais, que padronizam comportamentos. Há de se aceitar ainda as regras que transcendem interesses individuais/grupais. Enfim, a influência externa sobre a dinâmica organizacional e psicológica do atleta/time/equipe é marcante. E a tendência é de crescimento, se considerados os interesses dos meios de comunicação e sua lógica de sincronização entre os espaços do esporte e do patrocinador nos veículos de comunicação.

A virtualização do esporte e sua reprodução em tempo real em circuito planetário são um dos maiores desafios gerenciais atuais da sociedade desportiva, dos negócios esportivos e informatizados. A realização desses eventos requer competências variadas e capacidade de articulação que vão do global para o local, do macro para o micro, com todas as implicações e complexidade que caracterizam eventos dessa magnitude.

Pode-se perceber a manifestação de um movimento social transnacional que se estrutura sobre a base social indivíduo/grupo e se desloca para espaços internacionais que emprestam configuração e dinâmica específicas ao fenômeno da desportivização da sociedade internacional.
Essa nova lógica apresenta especificidades próprias que partem da própria ideologização da vida, da percepção e prática existenciais. Como elemento de cultura social, permite o surgimento de estruturas sociais estratificadas e consolidadas. Tem como referência fundamental o esporte, com suas modalidades, características estéticas, éticas, princípios e regulamentos, sua dinâmica, seus valores e formas organizacionais; seus circuitos/circos/eventos e toda parafernália consumista que se estrutura em torno desse fenômeno social de poder mobilizador avassalador.
O processo de globalização, neste aspecto particular, tende a forçar a homogeneização do indivíduo, pela disseminação de padrões culturais e valores que são impostos de fora para dentro. Tende também a anular processos reativos que não têm força para se impor no mercado e sobreviver em nichos sociais específicos. Essa é uma característica do processo de reação à globalização: a fragmentação e o enfrentamento setorial, na forma de valores “microétnicos”. Assim, formas de comportamento, atuação e padrões de consumo buscam posicionamento no mercado. Essa ação ocorre mesmo em nível do imaginário, do ideológico. Objetiva-se sobreviver, com identidade própria, a tal processo globalizador, que, em síntese, é um processo anonimalizador, pela imposição de repetição inconsciente/automatizada de formas padronizadas de imaginação, de consumo e de ação – para a construção/estabelecimento de identidade social (TESTA, 1990).

Dreifuss (1997) analisa as macrotransformações que ocorrem em todo o planeta da seguinte forma: “situo estas transformações em três processos: de globalização – tecnológica, econômica e comercial – dos modos de produzir; de mundialização – social, de estilos, usos e costumes – dos modos de viver; e de planetararização – político-institucional, militar e de gestão – dos modos de dominar”. Faz essas distinções analíticas entre três processos que são, de fato, discerníveis e essencialmente diferentes, embora os termos sejam muitas vezes usados de forma indistinta por outros autores. Para os objetivos dessa análise, o termo globalização poderá encampar os demais conceitos citados por Dreifuss, sem prejuízo analítico. Adotaremos o conceito de globalização como referencial, cujo conteúdo engloba os matizes da planetarização e da mundialização, conforme dissecados por aquele autor.

A ação capitalista global no setor esportivo apresenta uma potencialidade muito grande para mobilizar grupos sociais, organizações e interferir econômica e politicamente em processos sociais de maior amplitude. Esse argumento é incrementado pela própria dinâmica de reprodução organizada e diversificada das diversas modalidades esportivas e variedades de estilos e formas específicas de prática do mesmo esporte na sociedade.

Tomemos como exemplo o futebol, que tem várias formas de organização e prática, a natação, o voleibol e, com mais atenção, as lutas. Há uma grande variedade de novas formas esportivas sendo estruturadas socialmente e apoiadas pela indústria do entretenimento. Destacam-se os setores de turismo, lazer, equipamentos e serviços esportivos. Seus aliados comerciais e os meios de comunicação expressam claramente esse fenômeno.

Se analisarmos o poder exercido pela Federação Internacional de Futebol (Fifa) e pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), verificaremos que suas influências transcendem limites paroquiais e interferem significativamente na conjugação de interesses econômicos e políticos no grande concerto das nações. Esse é o poder do esporte, sua organização e prática.

Vivencia-se mudança radical nos padrões organizacionais e de estruturação ideológica da sociedade. Padrões esses, sob muitos aspectos, transnacionais, apesar de serem conservados inúmeros elementos tradicionais nessas estruturas. O conflito entre o tradicional e o moderno é patente. Ocorre pressão externa para modernizar a maioria dos setores da sociedade, com base nos avanços tecnológicos e de gestão, e uma contrapartida reativa que quer manter o status quo. No desporto, esse conflito é gritante. É exatamente desse confronto entre valores próprios das diversas sociedades que o fenômeno da desportivização assume papel relevante no processo de mudança social ora em curso.

Uma influência decisiva, entre outras, está exatamente na formação de um mercado de trabalho esportivo profissionalizado, que não obedece a padrões regulares de organização, pois enseja a criatividade, a variedade e a inovação nas atividades para ocupar espaço e acumular capital. Nesse sentido, podemos entender a diversidade de atividades de trabalho ligadas ao setor do esporte e suas especializações.

Nesse setor, há oportunidade de o homem mostrar vasta gama de habilidades e destrezas. São geralmente ligadas a desafios, nos quais o indivíduo se supera impondo-se novos patamares e ascendendo a níveis cada vez mais elevados em seus recordes, quer seja contra o tempo, contra a natureza, ou contra si próprio, tendo como aliado fundamental o desenvolvimento tecnológico e os meios de comunicação.

O fato de o próprio indivíduo se transformar em produto para consumo no mercado do entretenimento e de notícias espetaculares sobre recordes, grandes feitos e desafios marcantes caracterizam o surgimento de um setor de negócios de mídia diversificado e complexo, peculiarmente estruturado e com grande aceitação pública. Esse setor se reproduz dinamicamente em escala internacional. Ocupa crescente espaço na mídia global e cria condições diretas e indiretas para o surgimento de inúmeros novos negócios.

A profissionalização do esporte foi, sem dúvida, um dos fatos mais marcantes do século XX. Com o advento do mercado do esporte de massa, que atinge praticamente todo o mundo, com o emprego dos meios de comunicação e da administração empresarial de grandes marcas esportivas e dos negócios dos grandes astros internacionais, o negócio do esporte atraiu a atenção de vários setores de investimento e de ideologização do consumo. É o caso dos setores da publicidade e do marketing, que prestam serviços aos que produzem produtos/mercadorias/serviços para atender a necessidades de consumo das mais variadas formas e mercados.

Isso fez com que setores do mercado esportivo, nas suas vertentes organizadas e de grande alcance popular, saíssem na frente, aliando-se às empresas. Do lado empresarial, os estrategistas descobriram um novo e rico filão para investimentos, o esportivo. Sob muitos aspectos, o mercado esportivo tem inúmeras vantagens para o investidor: a) a segmentação do público-alvo já está praticamente pronta. A própria cultura desportiva estratifica a sociedade; b) o crescimento do market-share é praticamente assegurado quando se faz uma boa aliança estratégica com uma organização esportiva que tem projeção no mercado; c) o posicionamento dos produtos/serviços é bem mais fácil de se atingir em circunstâncias privilegiadas, quando a marca esportiva tem boa aceitação do público; d) a fidelização do cliente é assegurada pela lealdade à marca esportiva, que tem conotação mágica para o torcedor/ aficionado; e) a veiculação de mensagens atreladas a imagens de ícones ajuda a atingir objetivos.

Do ponto de vista de negócios, o mercado esportivo encerra vários elementos favoráveis. Isso o torna fascinante, porque é inerente ao espetáculo esportivo no século XX a participação do rádio e da tevê, além de toda a estrutura de merchandising que as agências de promoção e divulgação colocam em ação. Esse conjunto de fatos transforma um mero evento esportivo em grande espetáculo com incalculável impacto no imaginário popular, interferindo nos padrões de comportamento e consumo de centenas milhões de pessoas. Uma estratégia de comunicação vinculada ao esporte detém enorme influência no processo decisório de compra.

O setor do entretenimento desenvolveu-se historicamente como atividade marginalizada da economia, e seu caráter informal institucionalizou-se como o jeito de ser desse segmento econômico. De fato, no âmago da sociedade brasileira, essas atividades sempre tiveram enorme aceitação e ensejaram o surgimento de inúmeras organizações poderosas, capazes de movimentar recursos significativos e mobilizar pessoas a ponto de permitir que muitos dirigentes esportivos se aproveitassem de favoráveis condições para se tornarem representantes públicos, no parlamento. Geralmente essas pessoas continuam defendendo seus próprios interesses e de seus patrocinadores.

A realidade social do mercado esportivo brasileiro é das mais complexas e caracteriza uma sociedade que privilegia o esporte como jogo e o jogo como atividade diretamente vinculada às suas paixões. Além disso, o esporte – não só o futebol, mas também as lutas marciais e outras modalidades – canaliza ações e vontades de milhões de pessoas que apostam tudo no esporte. A devoção esportiva faz parte da estratégia de vida de milhões de cidadãos. No caso brasileiro, esse fato não é levado em conta pelo Estado como elemento psicossocial para o planejamento de políticas públicas.

A discussão política sobre a profissionalização do esporte considera dois aspectos: um econômico e outro político. Economicamente, a questão está na diferenciação da atividade exercida como profissional. O profissional, portanto, deve ser considerado um trabalhador comum, com direitos e deveres de cidadania em relação ao fisco, sobretudo.

Por conseqüência, as organizações esportivas que interajam com esses trabalhadores deverão ter uma identidade jurídico-empresarial, como uma empresa comum, que visa ao lucro e compete no mercado como as demais.

A Transformação dessas organizações sociais em empresas caracteriza um movimento em busca da modernização organizacional no esporte, sobretudo no futebol e, por conseqüência, deverá atingir as demais modalidades de forma diferenciada, de acordo com os interesses econômicos e políticos em disputa.

O aspecto político da questão está no fato de que envolve interesses diversos e antagônicos e se refere ao domínio do mercado, ao poder e ao prestígio que estão arraigados em toda a estrutura funcional do esporte, configurando, em seus processos, sistemas de dominação tradicionais.

A estrutura social esportiva ainda não assumiu, de fato, a parcela de decisão política global que – relativamente – poderia ocupar. Isso talvez decorra da concentração de esforços em fortalecer seus diversos setores e modalidades. Essa condição leva ao não-ajuntamento de forças de forma coordenada, exceção feita para o movimento olímpico, que congrega muitas modalidades. Entretanto, está revelando um esgotamento na sua capacidade de expansão e penetração em novos mercados, tanto por uma postura arrogante e autoritária, quanto pela incapacidade administrativa e política de tecer novas alianças que permitam seu domínio global no setor esportivo, encampando todas as manifestações.

O fenômeno esportivo foi um dos mais marcantes fenômenos sociais do século XX, sobretudo em sua última metade. Nesse período, o processo de globalização aumentou seu espaço de forma acentuada, principalmente em decorrência da expansão das telecomunicações e das mudanças políticas verificadas nas relações internacionais com a democratização política e a abertura econômica em praticamente todo o mundo.

É possível perceber a amplitude do esporte como importante fenômeno social atual. Ao tornar-se parte de uma cultura global, o esporte tem proporcionado significativas mudanças nas relações sociais, sobretudo na criação de novos mercados de trabalho e de investimento para o capital. Essa condição torna-se mais nítida ao se analisar a realidade esportiva no contexto de novos negócios e do processo político que encerra.

Importantes questões sociais emergem em decorrência do fenômeno da desportivização da sociedade. Mesmo olhando o esporte de modo abrangente, sem especificar quaisquer modalidades esportivas e seus relativos pesos no mercado, pode-se considerar a influência da esportividade na formação de um estilo de vida contemporâneo e de alcance global. Esse fato implica mudança acelerada de pautas de comportamentos sociais e estabelecimento de novas relações sociais estruturadas em dimensões sociais emergentes, tais como novos mercados de trabalho, entretenimento e consumo, bem como a constituição de uma linguagem social codificada a partir de valores reificados pela desportividade social.

A relevância do fenômeno esportivo torna-se visível a partir da constatação de que várias questões sociais abrangentes perpassam todos os setores da vida em sociedade, como, por exemplo, a cidadania, os direitos civis. A ruptura de fronteiras políticas, a ética e a identidade social estão vinculadas à questão esportiva.

Internacionalmente se desenvolve uma cultura global, por influência da indústria cultural, dos meios de comunicação e da constante sincretização de valores de ordem transnacional com raízes nacionais e até regionais. São valores que, assimilados sob uma perspectiva reducionista, ensejam o surgimento de elementos comuns em praticamente todas as regiões onde o fenômeno esportivo se manifesta.

Atualmente a questão esportiva não se restringe apenas aos ginásios, estádios, academias e outros locais especializados. É, hoje, uma temática de grande importância para a compreensão da sociedade global e suas contradições. Grandes e intensas transformações estão ocorrendo, e muitas delas são processadas a partir do esporte como um elemento de cidadania global. O esporte é apropriado por vários grupos sociais de forma diferenciada. Suas codificações, regras e cultura esportiva são assimiladas democratizadamente, permitindo que todos os cidadãos aficcionados do esporte se comuniquem e entendam os processos esportivos em qualquer parte.
O esporte é um elemento fundamental no processo de globalização cultural e na possibilidade de se estabelecer uma estratégia de integração social internacional. Isso porque seus valores passam a ser comuns a todos, e são, antes de tudo, elementos de uma linguagem universalizada e assimilada culturalmente sem gerar grandes idiossincrasias.

A cultura desportiva gera, essencialmente, a possibilidade de comunicação entre grupos sociais distintos e até antagônicos e apartados do ponto de vista político. Proporciona possibilidades de incorporação de valores e regras oriundas do exterior e que são interiorizadas a ponto de alterar profundamente o status quo e abalar os alicerces de uma identidade social consolidada. Esse fenômeno é marcante nas artes marciais, nas torcidas de futebol, beisebol e outros esportes de massa. O impacto sobre seus públicos é profundo e pode alterar as bases de uma identidade socialmente construída, mas suscetível de influências externas. Esse é o poder do esporte na sociedade contemporânea: sua capacidade de quebrar paradigmas e romper com o estabelecido são marcantes.

A dinâmica da desportivização da sociedade global tem conotações peculiares, principalmente porque consegue preencher lacunas no processo de mobilização social, que se encontra estagnado, sob muitos aspectos. O principal deles se refere ao resultado da educação formal. São muito precários. O esporte consegue não só atingir mais profundamente a sociedade em seus setores menos privilegiados, mas também os segmentos médios e avançados. É, de fato, um fenômeno potencialmente democratizador. Permite a ascensão social de inúmeros grupos esportivos, viabilizando-os financeiramente e legitimando-os na sociedade, integrando-os de forma positiva.

O esporte tende a produzir resultados convergentes na direção da formação de uma cidadania global, cujos valores e ética podem, inclusive, transcender valores e referências sociais regionalizadas. Isso significa que a possibilidade de ações esportivas contribuírem para a formação de laços sociais, políticos, culturais e econômicos transnacionais é patente.

Esse avanço na interpenetração cultural-desportiva internacional decorre também da influência dos meios de comunicação e dos modernos mecanismos de mobilidade, que favorecem o intercâmbio entre os vários segmentos esportivos em todo o mundo, ensejando a consolidação de vários circuitos competitivos internacionais e reforçando setorialmente o mercado de eventos e toda a rede de serviços que se estrutura em torno desses circuitos. Acompanha, passo a passo, as tendências de relações comerciais da economia de serviços, que, no setor do entretenimento, depende da constante realização de eventos para se dinamizar, gerando receita e empregos ad hoc.

O setor de serviços esportivos é ocupado por inúmeras pequenas, médias e grandes empresas. O mercado promocional é ativo e produtivo e movimenta elevadas somas de dinheiro; é uma das 20 maiores indústrias da economia norte americana. Seguramente caminha para ocupar cada vez mais espaço na economia internacional, sobretudo porque o advento dos megaeventos esportivos envolve inúmeras parcerias empresarias e, conseqüentemente, vasta gama de prestadores de serviços que atuam, setorialmente, de forma coordenada. A realização bem-sucedida dos eventos significa, para a empresa, lucro e condições de sobrevivência. A economia do desporto se caracteriza pela tendência de fortalecimento do setor de promoções, que, por sua vez, busca atrair cada vez mais público para os eventos promovidos.

Em contrapartida, quando se consideram os aspectos intrínsecos ao microempreendimento, à pequena iniciativa, ao trabalho autônomo no setor desportivo, percebe-se o crescimento do mercado de consumo desses serviços. A presença das academias, das escolas de modalidades esportivas, das escolinhas de esporte, do consultor desportivo, do pequeno promotor, dos treinadores e de todo um leque de profissionais atuantes intensifica e torna competitivo esse setor. No que tange à qualidade dos serviços e à sua variedade, geram novos procedimentos e consolidam novas necessidades de consumo de serviços e produtos desportivos. Esses incluem atividades como nutrição, serviços médicos, equipamentos, vestuário até a segurança pessoal, entre muitos outros. É um setor variado e complexo e atinge os consumidores em praticamente todos os aspectos da vida, pois atua desde a produção da saúde física propriamente, até a da beleza, conceito variável e circunstancial. É exatamente da diversidade de expressão e percepção desse conceito que se definem estratégias para alocação de recursos, visando ao crescimento da indústria da beleza.

A tendência mais expressiva é o crescimento contínuo da influência do setor esportivo na sociedade global. Para tanto, deverá se profissionalizar cada vez mais, objetivando criar novos mercados, com novos enfoques e novidades de consumo, e incluir novos consumidores. Considerando o alcance do setor esportivo e o impacto que gera nos diversos segmentos da sociedade, os estrategistas de negócios e de política vêem o setor do esporte como um rico manancial para novos investimentos. Sabem que podem aumentar os lucros, a visibilidade de suas marcas e negócios, além de mudar a percepção social de sua imagem, agregando valor aos seus produtos e serviços junto aos clientes aficionados pelo esporte, ampliando significativamente seu marketshare.

Descobriram que o mercado esportivo, quando tratado profissionalmente, é dos mais promissores, tem grande legitimidade social e apelo de massa. Essas variáveis são decisivas para um negócio dar certo no competitivo mercado esportivo. O fenômeno do deslocamento de inúmeros trabalhadores para o setor de serviços decorre sobretudo da perda de hegemonia do setor industrial para o de serviços e do crescimento da aplicação de tecnologia de informação no setor industrial. Isso tem proporcionado a consolidação de novos mercados no setor de serviços. Dentre esses novos mercados, destacam-se o do turismo, do entretenimento e do esporte. São mercados promissores, porque absorvem grandes contingentes de consumidores e trabalhadores circunstanciais. Em torno das atividades esportivas e culturais, ocorre grande concentração de atividades formais e informais, mas geradoras de renda e consumo. Isso implica um reordenamento na estrutura produtiva do setor de serviços, exigindo maior capacitação e profissionalização daqueles que competem nesses mercados.

Para uma empresa fazer sucesso, não basta apenas ter bons produtos. É preciso ter boa visibilidade pública e estar bem posicionada no mercado. Por isso, os estrategistas de marketing buscam elementos concretos que permitam atingir o coração e a mente do público consumidor e vinculam à marca da empresa e/ou de seus produtos toda a simbologia da modalidade esportiva escolhida para a promoção. Esse fenômeno é dos mais marcantes na economia dos serviços desportivos, e as empresas se apropriam do capital simbólico do esporte, nas parcerias comerciais e promocionais com clubes, times e marcas representativas de atletas, como, por exemplo, Pelé, Ronaldinho, Zico, Schumacher, Senna, Maradona, Beckmam, Gabriela Sabatini, Senna, Piquet, Fittipaldi e inúmeros outros.

Esse aspecto merece destaque nessa reflexão, porque parece inexorável o crescimento empresarial do setor desportivo. Esse processo está sujeito a sofrer muitas alterações. Seguramente é um dos setores mais promissores da economia de serviços no mercado global, principalmente porque sua dinâmica consegue articular positivamente elementos intrinsecamente contraditórios, como as marcas de clubes e o bairrismo daí decorrente. Em contrapartida, cria condições para que o bairrismo transcenda limites do paroquialismo e universalize-se como marca/produto.

O sucesso de uma aliança esporte/empresa gera condições de aumento da penetração comercial em novos nichos. A possibilidade de implementar estratégias de segmentação de público/consumidor cresce. Isso tem sido utilizado, com acerto, por muitas grandes empresas, como a Coca-cola, a Pepsi-cola, a Skol, a Antártica, com seus refrigerantes para verão, visando a um público específico de consumidores. Também a Umbro, empresa de material específico para o futebol, adota estratégias desse porte.

O mais significativo é que, com o crescimento potencial do mercado desportivo, a profissionalização do setor tem acontecido a passos largos, acirrando a competitividade e a alocação de recursos na infra-estrutura do mercado. São privilegiados os setores que têm maior ressonância pública e prestígio na mídia. Esse fato tem gerado a hegemonia de alguns esportes no mercado, implicando estratificação desigual no ambiente esportivo. Esse é o efeito mais perverso desse reordenamento estrutural do setor desportivo.

Independentemente da estrutura desigual, os setores menos privilegiados têm circuitos próprios e sobrevivem de forma modesta em relação ao aspecto financeiro. Em geral, prestam relevantes serviços à modalidade que praticam e crescem no mercado esportivo, ainda que de forma amadora.

Outro aspecto interessante nesse mercado é que ele cria novas oportunidades com uma constância muito grande, gerando novos empreendimentos, renda e empregos, além da possibilidade de crescimento de novas modalidades esportivas de expressão sazonal, tais como os esportes radicais, os ligados ao turismo e outras atividades esportivas vinculadas às tendências gerais da atualidade.

É um ambiente dinâmico e capaz de se superar com uma velocidade muito grande, principalmente porque sua profissionalização tende a exigir um processo gestor profissional e sincronizado com a dinâmica dos meios de comunicação, sobretudo da televisão. O ritmo organizacional do setor esportivo deverá ser compatibilizado com as exigências profissionais do mercado. Este quer produto e serviços formatados conforme a necessidades da televisão, por exemplo. Também objetiva, na medida do possível, suas características originais, para não perder a identidade. Mas pode-se intuir que a maior parte das modalidades que sobreviverem nesse contexto da globalização deverá se adaptar e tornar-se um produto televisivo e multimídia. Caso contrário, será muito difícil crescer como negócio e como esporte, perfis que demandam consumidores, praticantes e admiradores e simpatizantes.

Nesse ambiente competitivo, dificilmente sistemas esportivos tradicionais conseguirão sobreviver, se não modernizarem seus processos de gestão. Um fenômeno significativo foi o surgimento de empresas especializadas em promover esportes, a empresa de marketing esportivo. Esse setor é novo, e, no caso brasileiro, são poucas as empresas que estão se especializando em prestar serviços de consultoria, viabilizando projetos de patrocínio e realizando eventos de porte. O mercado esportivo é realmente promissor e encontra-se em expansão, uma vez que as empresas começam a perceber que o investimento no esporte pode ser um grande negócio.

A mentalidade do empresariado, que geralmente encarava o patrocínio a qualquer modalidade esportiva como uma forma de caridade, de favor prestado a algum amigo, ou porque queria ajudar o esporte ou clube que tinha admiração, tem mudado sensivelmente. A rentabilidade dos investimentos em publicidade proporciona retorno garantido, além de permitir ampliar o lastro simbólico das marcas dos produtos e/ou da empresa no imaginário da população, estimulando o consumismo.

Essa estratégia tem sido muito utilizada inclusive por empresas estatais e fundos de pensão, instituições que, em geral, sob justificativa de aplicar recursos públicos com objetivo social, acabam tendo grande retorno de mídia e imagem, quando conseguem uma parceria capaz de alcançar bons resultados. É o caso do voleibol e o Banco do Brasil, que teve sua imagem rejuvenescida e seu market-share ampliado. Assim, é inegável o poder que o esporte tem de produzir resultados não só nos estádios e outras arenas competitivas, mas também no invisível e milionário mercado de mídia e imagem e de propaganda e merchandising. Os setores das comunicações e do mercado promocional tornaram-se poderosos economicamente. Vinculado a essas áreas, o esporte, em geral, torna-se alvo crescente de atenção.

A indústria do marketing esportivo tende a crescer sensivelmente. Com ela, promete aumentar o número de empresas especializadas e bem segmentadas, que precisam, para se especializarem, conhecer detalhadamente o segmento em que pretendem atuar, além de manter uma rede de relacionamentos capaz de render resultados em todos os níveis. A competição entre essas empresas, por sua vez, pode dinamizar e profissionalizar esse mercado, criando requisitos de mercado em níveis de capacitação técnica e demandando padrões internacionais de qualidade.

No Brasil, na maioria dos casos, as organizações esportivas não são administradas profissionalmente. Entretanto, a pressão do mercado, com a atuação de novos consumidores exigentes, cobrando boa qualidade nos serviços oferecidos, forçará o mercado esportivo a se profissionalizar.

Essa é a exigência mais marcante, do prisma gerencial, desse mercado: mudar rapidamente e profissionalizar suas relações. Cobra de todos os gestores envolvidos com cada segmento esportivo melhor nível de capacitação e de realização. O relacionamento entre esses agentes tornou-se um traço decisivo para o sucesso dos negócios, pois qualquer evento desportivo exige grande esforço de coordenação por parte dos organizadores, parceiros e prestadores de serviço. Não é possível a realização de um grande evento esportivo sem o concurso de muitas outras organizações e trabalhadores. Nesta complexa cadeia produtiva, os participantes atuam sincronizadamente na busca do mesmo objetivo: realizar o evento.

A profissionalização tornou-se uma bandeira no setor esportivo nestes tempos de globalização. Isso implica a implantação de políticas de co-gestão entre empresa e clube. Evidentemente as empresas têm know-how administrativo muito maior do que os clubes. Estes, em geral, são amadores, e os objetivos de seus dirigentes são, na maioria das vezes, pessoais e imediatos. Buscam, tão-somente, enriquecimento e visibilidade pública. Usam os cargos como trampolins para a vida pública, em geral para a política parlamentar.

Entretanto, não se pode desconsiderar que, apesar de todo o amadorismo, o esporte, sobretudo o futebol, tem uma vitalidade enorme. Isso se explicita quando se pretende atingir o imaginário popular e mobilizar grandes platéias, gerando negócios. Qualquer resultado positivo serve para alavancar propósitos pessoais e até grupais, no sentido de aumentar a competitividade comercial do clube, time, da organização, enfim. Uma vez aliados ao capital financeiro e administrado como empresa voltada para realizar lucros, os clubes esportivos em ação conseguem dinamizar mercados antes sazonais e estruturar inúmeros segmentos da indústria de serviços desportivos e de apoio logístico.

Esse é um fato importante, porque, da junção entre o capital empresarial, o know-how gerencial e os serviços do clube esportivo, surge uma economia esportiva dinâmica e transformadora, detentora de alcance global em seus empreendimentos e capaz de se ramificar em rede por praticamente todos os setores da economia, indo desde a indústria da saúde, alimentação,educação, infra-estrutura, segurança, transportes, logística, entretenimento e comunicações, atingindo maciçamente os setores do licensing, franquia e toda a economia do merchandising e da publicidade em geral. Tudo constitui ampla, dinâmica e complexa cadeia produtiva. O esporte é um dínamo propulsor da economia de serviços e tem demonstrado vitalidade sem precedentes, sobretudo porque sua capacidade de adaptação às demandas atuais da economia de consumo é das maiores. Mesmo os esportes mais tradicionais, como o futebol, o basquete e o voleibol, têm se flexibilizado e alterado regras e formas de realizar seus eventos, visando a compatibilizá-los com os interesses e necessidades das outras estruturas produtivas, principalmente as vinculadas ao processo da comunicação. Assim, amplia a abrangência das transmissões de eventos, aumentando sensivelmente o poder tanto das organizações esportivas, quanto das empresas de comunicação. Há quem conteste a legitimidade dessas empreitadas. Argumenta-se que prejudicam a qualidade dos eventos esportivos no referente ao desempenho físico dos atletas, porque se não leva em consideração a influência do tempo, do ambiente e do horário. Realmente, predomina o interesse comercial no processo decisório. O jogo final da copa de1998 aconteceu ao meio-dia, para que o mundo todo pudesse assisti-lo. Esse foi um exemplo marcante dessa realidade. Mas nada impede que, em breve, a tecnologia possa minimizar esses fatores, permitindo melhor climatização do ambiente, realizando-os em modernos e equipados ginásios e estádios cobertos, como o magnífico ginásio/estádio Skydome, em Toronto, Canadá.

Entre as tendências de mudança na forma de realizar eventos esportivos e sua compatibilização com os interesses da globalização no processo de comunicação, é natural que aconteçam investimentos maciços na infraestrutura e logística da indústria esportiva e também no setor de comunicações, tudo para atender a interesses dos mais distantes e diferentes espectadores em todo o planeta. Esse é o desafio maior para os promotores de eventos esportivos. Seguramente, vai ao encontro dos interesses de investidores que buscam retorno garantido e também da possibilidade de abrir novas frentes para investimento.

Qualquer produto que seja lançado globalmente, via tevê, através de espaço na mídia comercial de eventos de grande alcance internacional, deverá alcançar enorme contingente de consumidores. Mas, ao mesmo tempo, exigirá estratégia de comercialização coordenada globalmente. Isso significa que a estrutura logística desses empreendimentos deverá ser cada vez mais profissionalizada e que as campanhas de publicidade também deverão ter a capacidade de comunicar valores globais, fato que pressupõe, pelo menos em tese, o advento de uma cultura de consumo global, ou, ao menos, que sejam considerados valores regionais. As peças promocionais, portanto, deverão ser colocadas no ar de forma sincronizada, o que é plenamente plausível.

O primeiro argumento parece ter mais peso para os anunciantes que buscam universalizar suas marcas. Mesmo quando o produto é o mesmo, como, por exemplo, a Coca Diet, que pode ter sabores diferentes, de acordo com o interesse de consumidores locais. Os megaeventos esportivos têm servido de mote para grandes processos comunicacionais, apresentando como pano de fundo o esporte e seus ídolos. Esse é outro aspecto relevante: o interesse das grandes empresas em aumentar sua visibilidade/popularidade, mediante à vinculação/ apropriação da imagem de ídolos. A aliança comercial entre o atleta e a marca/produto/serviço é um fenômeno característico da economia virtual e da sociedade do espetáculo. A estratégia de segmentação desse processo é interessante: vinculam-se produtos de saúde, beleza, instrumentos de prática como tacos, chuteiras, raquetes, tênis, roupas, acessórios, medicamente, vitaminas, cosméticos, calçados, carros, bikes, motos, bebidas, produtos de nutrição e outros a certos tipos de atletas de sucesso em suas modalidades. Vinculam-se também valores como determinação, arrojo, liderança, arriscar, vencer, solidariedade, garra, desprendimento, espírito de equipe, enfrentar desafios, recuperação de machucados e retomar projetos, amor à causa, capacidade de planejar.
Tudo isso é utilizado em campanhas promocionais. Exemplos significativos são os circuitos do Ecochallenge, a navegação de Amir Klink, o troféu Cammel, o rally Paris/Dacar e o dos Sertões, entre outros. Empresas escolhem certos esportes para patrocinar, enfatizando o atleta em si, o mito. Senna, Piquet, Jordan, Pelé, Klink, Tyson, Sabatini, são exemplos disso.

O comportamento do setor esportivo na sua vertente empresarial tem sido visto por muitos analistas de forma variada. A maioria parece concordar que o esporte, como mercado para se investir, é dos mais promissores, mas precisa de mais investimentos na sua infra-estrutura organizacional, para tornar-se um parceiro eficiente na geração de renda, emprego e na ampliação de market-share. Isso significa que, para sobreviver, o esporte deverá abandonar rapidamente o amadorismo, aqui entendido como incompetência administrativa, por não conseguir apresentar elementos negociais capazes de viabilizar parcerias comerciais. Existe grande defasagem entre a dinâmica do mercado e a realidade gerencial da maioria das modalidades esportivas. Essa situação é marcante no Brasil, onde a visão de quase todos os dirigentes esportivos é patrimonialista em excesso.

A dinâmica competitiva entre empresas em busca de novos negócios e lucros capazes de permitir sua sobrevivência e crescimento tem sido assimilada, ainda de forma desigual, por setores esportivos.

Aqueles que já detêm uma estrutura organizacional capaz de realizar negócios esportivos estruturada, ainda de forma desigual, apresentam maiores chances de estabelecer parcerias. Nesse caso, estão o futebol, o automobilismo, o voleibol, o tênis, o golfe, o basquete, o boxe profissional, entre poucos outros. Crescem também os chamados esportes radicais, nos quais atletas desafiam a natureza.

Esses constituem bom nicho promocional para empresas que pretendem associar seus produtos/serviços a esse tipo de imagem. Da mesma forma, o ecoesporte torna-se uma tendência crescente, porque empresta visibilidade à natureza, com seus detalhes e desafios, e à capacidade de o homem enfrentar o meio ambiente sem depredá-lo. É um nicho “politicamente correto”, no qual as empresas de turismo e toda cadeia produtiva afim fazem grandes negócios.

Assim como os jogos sazonais, de inverno, verão, também são bons setores para o crescimento de negócios e oportunidades de trabalho, ainda que sazonal. É necessário criar novos mercados, dinamizá-los e conquistar consumidores para produtos e serviços específicos, para evitar a saturação de setores/ mercados que não conseguem se expandir. Essa saturação leva à estagnação socioeconômica e só privilegia alguns setores das elites sociais e econômicas. A dinamização da economia de serviços pressupõe a inclusão de novos consumidores em novos mercados e em escala diferenciada. Esse é o desafio mais grave dos estrategistas de negócios na atualidade.

3. Novos Nichos e microdinâmica de mercado

O funcionamento dos mercados esportivos, do ponto de vista da alocação da mão-de-obra, é peculiar. Exige dos que pretendem nele trabalhar uma capacitação profissional específica, bom conhecimento do setor e, naturalmente, tende a reunir pessoas com valores similares. Isso define, em grande parte, novos grupos sociais, por meio de suas interações, e são estabelecidas novas relações sociais, reforçando identidades grupais e estabelecendo pautas comuns de comportamento e ação social.

Atualmente, esse fenômeno da microssegmentação grupal é relevante. O processo de globalização tende a anonimalizar o indivíduo, tornando-o um ser amorfo, global, reproduzido em escala planetário, baseado em indicadores de consumo e padrões internacionais de comportamento. A contrapartida ocorre principalmente na formação de microgrupos com valores próprios e formas de ações e comportamento de consumo e relacional bastante diferenciado. As manifestações microgrupais apresentam dinâmicas interessantes: conectam-se em rede extendendo-se por todo o planeta. E mantém suas idiossincrasias e formas específicas de ação, porque a prática do mesmo esporte consegue desenvolver traços culturais comuns em qualquer ambiente.

A força da globalização não é minimizada pela contrapartida da busca de uma identidade microgrupal que permita pessoas identificarem-se umas com as outras e vivenciarem experiências comuns. Esse processo está crescendo fantasticamente, ensejando maior interpenetração entre as várias culturas regionais e nacionais. E o esporte, sem dúvida, é um dos setores de maior influência para essa integração global, a partir do encontro de microculturas.

A possibilidade de mobilidade física entre os microgrupos esportivosgera uma espécie de migração constante entre esses microgrupos que peregrinam pelo planeta buscando cumprir as etapas dos circuitos esportivos a que pertencem, e isso é um fenômeno intenso, pois movimenta divisas, dados, informações, produtos e serviços das mais variadas vertentes do mundo dos negócios e dos esportes, além de promover o fluxo permanente de pessoas.

Esse fenômeno permite sejam influenciadas mentalidades tradicionalmente estruturadas, baseadas em uma percepção de mundo subordinada a barreiras físicas, a fronteiras de várias ordens e a legislações excludentes. Esses alicerces institucionais geraram seres sociais diferenciados pela exclusão, pela não-comunicação direta e pela não-participação compartilhada na experiência de viver no mundo. Com o advento da desportivização em escala global e o rompimento de fronteiras de ordem física, econômica e política, culturas regionais e nacionais sofreram um impacto marcante decorrente da interpenetração maciça e do reforço engendrado pela estratégia econômica da globalização em todos os setores. Essa interpenetração profunda foi viabilizada, sob muitos aspectos, pelo crescimento da influência da tecnologia de informação em todos os mercados.

Existe uma infinidade de microgrupos sociais com valores próprios e linguagem específica. Relacionam-se com base em regulamentos esportivos competitivos e códigos de ética próprios, que são formatados a partir da interação de valores culturais e políticos gerais. Esse fato muitas vezes se sobressai, predominando sobre outros valores éticos e morais que são aceitos regionalmente, mas não pertencem ao arcabouço valorativo dos microgrupos esportivos. É possível a consolidação de valores transnacionais compartilhados eticamente por esses grupos, assim como a configuração desses valores em estrutura própria de regras capazes de atingir microgrupos esportivos em todo o mundo. Reforçam uma identidade social transnacional, independentemente de esses grupos terem domicílio físico em outras regiões. Ocorrem inúmeras alianças entre os membros desses grupos: desde casamento até parcerias em negócios, extrapolando, muitas vezes, os limites do próprio esporte.

4. Conclusão

As possibilidades geradas pela globalização em relação ao esporte são inúmeras, e seu impacto ainda não é previsível, embora alguns indicadores já possam ser percebidos, como o anteriormente citado. Contudo, convém situar que, apesar da possibilidade de surgir uma cidadania esportiva planetária, espera-se que essa mesma cidadania não origine processos de exclusão social nem política, principalmente porque o esporte tende a ser integrador. Mesmo quando os processos políticos e interesses econômicos geram formas de apartação, é difícil a ética esportiva permitir a compactuação com estas formas de discriminação. Obviamente é necessário considerar o poder relativo do esporte diante dos interesses de Estado. O argumento de maior peso, porém, está no fato de o esporte contribuir para o incremento do processo de integração social transnacional. Isto ocorre por intermédio da intensificação de relações sociais e negociais em todos os mercados, o que reforça sua capacidade de alastramento e expansão em todos os setores. Em eventos globais e até em localizados, como é o caso de eventos esportivos com grande capacidade mobilizadora e integradora que são realizados em aldeias e pequenos povoados, encontra-se o poder do esporte!

É fundamental considerar que esse poder é potencial, e sua manifestação social depende de organizações sociais que envolvem diversos setores, cujas ações tenham objetivos comuns e sejam exercidas de forma sincronizada para produzir resultados que reifiquem o evento esportivo em si. Isso significa que o esporte em si só não tem competência para ampliar seu lastro nem muito menos aprofundar seu potencial mobilizador. Isso não é de sua essência, ao contrário, tende a se manifestar a partir de objetivos decorrentes do lazer, ou mesmo de atividades prazerosas de quem tem tempo livre e recursos suficientes para exercer qualquer prática esportiva.

A realização de um evento esportivo, por mais amador, ou mesmo, por mais simples que seja, exige o concurso de várias pessoas que desempenham tarefas diferentes, complementares e sincronizadas para que o mesmo aconteça. O evento esportivo em si é algo complexo e demanda umconjunto de atividades intrínsecas que exigem coordenação e convergência para objetivos comuns: a realização do evento esportivo. Isso, por si só, já é um elemento integrador e até mobilizador, se considerarmos o alcance das ações esportivas a partir da organização de qualquer evento. A atividade esportiva em sociedade assume conotação socializadora e propiciadora de relações sociais intensas e solidárias, pois a própria natureza de um evento esportivo requer envolvimento de várias pessoas, para sua realização.

Isso significa que o ato esportivo não é algo isolado, mas coletivo, demanda papéis diferentes e funciona de forma integrada. O ato esportivo é uma dramatização. Tem conotação lúdica e perfil social mimético.Representa vivências sociais específicas, formatadas culturalmente até tornarem-se jogos com toda sua ludicidade.

A questão da cidadania nacional, local e até pessoal não pode ser analisada sem se levar em consideração essas características da vida pós-moderna. Nesse sentido, convém situar alguns pontos que podem ajudar a melhor perceber a questão:

1) houve aumento significativo na percepção de mundo do cidadão atual, em qualquer parte do mundo;

2) seus valores e sentimentos de mundo não são mais percebidos de forma restrita aos limites paroquiais e tradicionais da vida de duas décadas passadas;

3) a democratização, a quebra das barreiras físicas e a globalização do processo de consumo e ideologização da vida exercem profunda influência no comportamento do cidadão;

4) os conflitos internos, que permanecem irresolvidos em nível pessoal, grupal e familiar, geram novos conflitos quando contrastados com influências externas, pois permitem ao indivíduo projetar novas expectativas de vida, embora nem sempre tenha condições concretas de realizá-las;

5) os conflitos e anseios gerados pelo consumismo, com sua lógica descartável e a percepção de que as coisas, valores e relações têm uma duração/utilidade menor, acirram ainda mais as contradições entre as formas de vida e de cultura tradicionalmente estruturadas e as que são impostas de fora para dentro, com toda força do marketing e da mídia;

6) a revolução consumista e sua vertente de serviços tendem a ser o alicerce da dinâmica da sociedade global. Isso impõe às sociedades globalizadas, pela força, uma dinâmica de ajuste excludente e radical, pois implica a exclusão de parcelas significativas da população internacional da participação, como sujeitos, dessa nova sociedade de serviços e consumo, que demanda um tipo específico de cidadão;

7) esse cidadão, para ser pleno em sua cidadania, deverá ter bom nível de preparo técnico, boa educação, fluência em idiomas estrangeiros, vasta cultura geral, ecletismo, visão global, pautar sua vida em valores não tradicionais, ter anseios e expectativas globais, domínio da tecnologia da informação, para bem usufruir as benesses da atualidade e atender a exigências do mercado de trabalho;

8) ter bom padrão financeiro para custear sua formação e disputar espaço.

Esses requisitos são extremamente restritivos. Exigem uma pessoa bem-sucedida e preparada para competir em arenas políticas e sociais de alta competitividade. E isso só é possível em ambientes individualistas e excludentes, cujo acesso para participar da competição requer perfis que não coadunam com a lógica do capitalismo global – sistema que não conseguiu historicamente se desenvolver sem a exclusão das massas escamoteadas no que tange ao usufruto de seus benefícios.

Por isso, pode-se perceber, até com certa facilidade, quando bem focado o olhar, que o processo de segmentação dos consumidores tende a ser hierarquizado de acordo com o potencial de consumo de cada indivíduo. A magia do consumo se manifesta na indução de o consumidor ascender a um nível mais alto de padrão de consumo, tanto de custo quanto de qualidade.

O consumidor high tech é o ideal para o capital global, que não pode, para sua própria sobrevivência, dispensar qualquer consumidor que seja.Dessa manipulação hierarquizada do potencial de consumo, emergem percepções de mundo tangenciadas pela lógica e dinâmica do mercado, enquanto as relações que são experimentadas no tecido social nem sempre convergem para essa direção, mesmo estando sempre presentes.

É possível aventar a hipótese de que o equilíbrio da sociedade de consumo/serviços esteja mesmo na conjugação política, no sentido tecnogerencial, das expectativas e capacidades de ascensão aos patamares de consumo dos grupos sociais. Realmente, a tecnocracia econômico-financeira tem demonstrado ser possível:

a) manipular o comportamento do consumidor por meio de políticas econômicas e estratégias de marketing;

b) controlar o movimento social do mercado consumidor em nível macro;

c) controlar desejos e direcionar o potencial de consumo e seus valores intrínsecos na sociedade, de forma generalizada. Os mecanismos de controle social disponíveis e utilizados pelos meios de comunicação sugerem a conclusão de que o processo de dominação global deverá gerar fortes resistências localizadas em todo o planeta. Mas, sem dúvida, a lógica da descartabilidade da vida e sua espetacularização são o grande apelo emocional da sociedade global.

Por essa via de percepção, pode-se entender o processo direcionado de exclusão de milhões de pessoas da participação efetiva dessa emergente sociedade de consumo/serviços. Há, inclusive, questionamentos sobre a logicidade do argumento de que uma sociedade global não pode gerar a exclusão social, mas, da perspectiva do consumo e da política, isso se torna claro. O capitalismo não conseguiu superar o processo de distribuição desigual que lhe é peculiar. Neste início de século, essa característica tornou-se um fator preponderante na dinâmica social internacional, pois a globalização é, antes de tudo, concentradora de renda e de poder político, manifesto mais expressamente no universo dos negócios e no mercado financeiro, do lado da acumulação, e nas tragédias e dilemas sociais, do outro lado, o dos excluídos.

O fenômeno das alianças estratégicas entre corporações denota a incapacidade de algumas imensas organizações que, não obstante todo seu poderio financeiro, não conseguem competir no mercado globalizado, cujas exigências requerem, desde um novo trabalhador, até uma nova estratégia gerencial, capaz de vencer os desafios da competição contra o tempo. Dessa forma, os competidores se manterão aptos a atender a desejos do mercado em seus diversos segmentos e capazes de acompanhar as conquistas da tecnologia, que incidem diretamente sobre as categorias tempo e espaço, cujos reflexos no mundo dos negócios significa :

a) estar on-line o tempo todo;

b) ser capaz de ocupar nichos específicos de mercado em todo o mundo, fato que requer flexibilidade no sentido de adaptar-se rapidamente às especificidades do mercado local;

c) agilidade para decidir rapidamente. Isso implica investimentos maciços na estruturação do processo logístico e na distribuição das mercadorias.

Segundo Jordan Lewis (1992: 01)

Numa aliança estratégica, as empresas cooperam em nome de suas necessidades mútuas e compartilham dos riscos para alcançar um objetivo comum. Sem uma necessidade mútua, as empresas podem ter o mesmo objetivo, mas cada uma pode atingi-lo sozinho. Se elas não compartilharem de riscos significantes, não poderão esperar compromissos mútuos. As empresas dividem riscos, se necessitam uma da outra para atingir o mesmo objetivo.

As alianças estratégicas provêm o acesso a muito mais recursos do que qualquer empresa isolada possui ou pode comprar. Elas podem expandir grandemente a capacidade de uma empresa para criar produtos, reduzir custos, incorporar novas tecnologias, antecipar-se aos concorrentes, atingir a escala necessária à sua sobrevivência nos mercados mundiais e gerar mais recursos para investir em suas competências básicas.

Segundo Lewis, a divisão dos riscos e a dependência mútua das empresas fomentaram um alto nível de cooperação. As condições impostas pelo ambiente competitivo configuram um pacto empresarial chamado aliança estratégica. Essas condições são:

a) os objetivos comuns estabelecem o cenário;

b) a necessidade mútua cria o compromisso;

c) a divisão dos riscos completa o vínculo;

d) as alianças dependem das relações;

e) confiabilidade mútua significa vulnerabilidade mútua;

f) existem vários tipos de alianças.

A globalização impõe às organizações desafios terríveis que têm de ser superados rapidamente. Os reflexos desses desafios na sociedade são significativos, pois, se considerarmos as organizações sociais uma espécie de dínamos sociais, que dão e refletem o ritmo do movimento social mediante procedimentos de troca e de ocupação da força de trabalho, podemos intuir o quanto é preocupante esse fenômeno.
Daniels (Visão Global, 1996) define o fenômeno da globalização da seguinte forma:

Globalização é mais do que fazer negócios em um determinado número de países em todo o mundo. A globalização envolve fazer negócios em todo o mundo, de uma nova maneira, equilibrando as qualidades dos seus produtos ou serviços com as necessidades específicas das diversas bases de seus clientes locais. Ela implica a demolição das características etnocêntricas mesquinhas que a maioria das empresas possui, seja qual for sua nacionalidade de origem.

Essa readaptação a novas regras de competição impostas pelo capitalismo global exigirá nova postura existencial do homem na condição de cidadão/consumidor, diante dessa nova realidade. Na prática, implica crescimento do desemprego, hoje considerado estrutural, como se fosse uma categoria nova, mas tem uma correlação direta com a globalização do capital.

Diante desse panorama, a política inter e intranacional assume nova configuração, e seus desafios tornam-se outros, sem que muitos problemas locais tenham sido resolvidos. Na realidade, o processo político internacional tornou-se muito mais complexo administrativamente, exigindo maior competência gerencial e reformas urgentes dos países.

Após ter-se sublimado em uma nova tipologia de selvageria, que é o próprio neoliberalismo, o capital global e seus vários matizes financeiros, tecnológicos, de lazer, cultural e outros, precisarão ser domesticados pela sociedade global (será possível?). Enquanto o trabalho, categoria historicamente consolidada ao lado do capital, sofisticou-se na forma e na essência, perdeu espaço fisicamente no processo de globalização. Isso ocorreu principalmente em decorrência da tecnologia aplicada aos processos produtivos.

A problemática da cidadania no contexto atual assume conotações diversas, extremamente abrangentes e contraditórias, sem dúvida alguma.

Todavia não se pode negar que o projeto de sociedade que o neoliberalismo propõe deixa muito a desejar no que se refere a direitos equânimes. Ressalta Cristóvão Buarque o projeto neoliberal pretende viabilizar uma sociedade de um bilhão de pessoas apenas na Terra, enquanto os outros bilhões servirão apenas de massa de manobra do ponto de vista da participação e do acesso ao consumo pleno. (entrevista a Mídia Impressa). Essa perspectiva de sociedade global é, historicamente, um retrocesso, por remontar ao período feudal, quando as elites dispunham de todas as benesses, enquanto a plebe penava nos arredores das cidades-estado, sem acesso à fartura e sempre espoliada em sua capacidade produtiva.

A questão da cidadania no contexto atual remete a considerações também globais no que tange ao seu raio de ação. Não convém considerar a cidadania de um ponto de vista restrito.Qualquer delimitação que não abranja o contexto global resultará em uma visão parcial e meramente ideológica no sentido da percepção de mundo. Isso não significa que não sejam necessários valores e conteúdos socioculturais historicamente consolidados. Vale dizer, a herança cultural e suas variantes específicas.

Essa argumentação apenas enfatiza a necessidade de enfocar a questão da cidadania de um prisma global, exógena, para uma perspectiva localizada, específica, e não o contrário. Se construirmos uma matriz de cidadania que envolva elementos e perspectivas globais, necessariamente estaremos abrangendo valores específicos, enquanto a recíproca não é verdadeira. Assim, a ideologia neoliberal, com sua vertente excludente, impõe uma estratégia de resistência à dominação que acaba embotando essa realidade. Isso porque a reação a essa lógica está exatamente no fortalecimento de estruturas sociais e valores culturais que buscam impedir a integração global e a ação social plena, que elimina ranços políticos históricos, cujos objetivos sempre foram buscar a apartação política pela resistência e uso da força.

O neoliberalismo preconiza a apartação, pela impossibilidade de os pobres participarem do universo da abundância gerada pela economia da informação e pelo crescimento da miséria. Pretende consolidar um mundo dividido entre um sexto de abastados economicamente e outros cinco sextos de miseráveis. Essa é sua proposta de sociedade. E um imenso e diversificado parque industrial de equipamentos e serviços está estruturado para viabilizar politica e economicamente esse projeto. Essa lógica encerra a grande contradição contemporânea do capitalismo: a exclusão social e econômica de imensas massas de possíveis consumidores. Na prática, a exclusão das massas dos mercados de consumo é uma estratégia anticapitalista, uma vez que, por sua própria essência, o capitalismo deveria gerar mais consumidores de produtos e serviços. Esse é o grande dilema do marketing contemporâneo: como criar novos mercados e incorporar novos consumidores a esses mercados? Esses novos mercados deverão ser bem segmentados e ter condições estruturais de satisfazer demandas de consumo muito específicas. O avanço das democracias participativas denota o crescimento dos direitos individuais de expressão e satisfação de desejos. Direitos e deveres bem específicos serão definidos, e a estrutura produtiva terá, necessariamente, de se adequar a essa nova realidade.

As políticas sociais compensatórias adotadas pelas organizações gestoras de capital excedente, como Unicef, Fundação Ford, Banco Mundial e outros, apenas mascaram essa realidade. O processo político-administrativo burocratizado e ineficiente acaba dando vida própria a essas organizações, que deveriam ter duração limitada, porque seus objetivos deveriam ser atingidos brevemente e sua missão cumprida. No entanto, duram o suficiente para reproduzir seu objeto. Do contrário, não justificariam sua existência.

Isso significa, na prática, que os problemas internacionais da desigualdade social não serão resolvidos, sequer minimizados, a não ser circunstancialmente, de acordo com conveniências políticas bem localizadas no tempo e no espaço do jogo do poder internacional. A justiça social, conceito só percebido quando contrastado com a desigualdade social, pois a igualdade anula a idéia de justiça, eliminando sua necessidade, é um mito historicamente bem consolidado. De fato, a ação política dos aparelhos do poder capitalista ou mesmo do comunismo é extremamente poderosa e capaz de construir socialmente uma percepção embotada de justiça social e de hierarquização de valores e estruturação de grupos na hierarquia social.

Nesse sentido, o pragmatismo americano enfatiza, no julgamento de microquestões sociais, o interesse de cada parte. Entretanto, é possível verificar nessa sociedade um elemento comum que diferencia a mesma das demais, o pressuposto da impessoalidade, dos direitos potenciais equânimes. Direitos esses que ainda são aplicados desigualmente em situações racistas. Estas se sobrepõem às desigualdades de classes, sem obviamente, eliminánas.

Esses direitos, quando não podem ser aplicados de forma equânime – no sentido de que as partes em conflitos têm a mesma parcela potencial de direito –, são maquiados espetacularmente. Desviam a atenção da sociedade, construindo, mediante artifícios de marketing e mídia, uma percepção direcionada da realidade. Os artifícios jurídicos estão disponíveis ao capital e ao traquejo de juristas experimentados. Ao contrário do que acontece, por exemplo, no Brasil, onde a justiça sempre pende contra os mais fracos, com exceção em questões trabalhistas e familiares.

No Brasil, os poderosos encaram a justiça tranqüilamente, pois esta é praticada de forma subalterna aos interesses das categorias sociais mais poderosas. E seus artifícios e artimanhas técnicas são construídos e interpretados de forma a beneficiar sempre as elites. A justiça brasileira costuma dar exemplos e aplicar punições rigorosas apenas em réus oriundos de categorias sociais menos privilegiadas. Raramente qualquer punição recai sobre membros das categorias sociais mais abastadas e poderosas politicamente. Inclui-se, aqui, o efeito perverso das ações corporativas, que tendem a proteger membros de corporações poderosas, distanciando-os do jugo da lei.

O impasse da cidadania no Brasil é terrível, pois o brasileiro sofre as pressões decorrentes da aplicação desigual da lei, no que tange a questões de cidadania jurídica, e defronta-se com a possibilidade de vir a não ser definitivamente um cidadão global, pela péssima qualidade de vida de que dispõe pelo menos 70% da população nacional, o que a impede de aproveitar as benesses da globalização, mas o obriga a arcar com o ônus.

O Brasil já não tem uma classe média com parâmetros de classe bem definidos. Além de tudo, existe, no país, uma imensa população infanto-juvenil em precárias condições e milhões de idosos igualmente vivendo em condições indignas.

O que é ser cidadão no Brasil?

Necessariamente, a cidadania brasileira deverá ser construída a partir de uma matriz social que articule positivamente elementos herdados de nossas tradições escravocratas, coniventes com formas violentas de exploração entre pessoas, com todo tipo de arrivismo, precária fraternidade e quase nenhuma consciência de nação. São características históricas da nossa cultura política.

A esse desafio, deve-se acrescentar a necessidade de superar entraves causados pela geopolitização dependente de nossa economia e pela submissão política dos partidos aos interesses do capitalismo financeiro. Essa ação se manifesta na forma de alianças aos interesses da economia global, mais especificamente na sua vertente estadunidense.

O custo social do Brasil tem diversas peculiaridades e leva o analista a considerar o impacto da herança colonial-escravocrata, a dependência econômica congênita e o arrivismo desenfreado. Este último sempre caracterizou a ação e o comportamento de quase todos os segmentos sociais brasileiros como estratégia de sobrevivência. Esses traços culturais configuram um processo de articulação social que produziu uma sociedade desigual estruturalmente. Apesar de dispor de mesma língua, território e moeda, os brasileiros são socialmente desiguais. É um povo complexo, sofisticado e que se manifesta de forma heterogênea no que concerne sobretudo a valores e expectativas.

A sociedade brasileira contém em seu cerne problemas relacionais, estruturais. São resultantes secularizadas de conflitos inter-raciais com suas percepções de mundo e experiências históricas concretas. O brasileiro é, sob muitos aspectos, o ser social síntese de muitos antagonismos e não conseguiu, ainda, projetar uma alternativa de cidadania que expresse sua potencialidade.

Os abismos concretos que separam os vários segmentos da sociedade brasileira têm criado condições potenciais para maiores desencontros existenciais, confrontos políticos, desigualdades sociais e fragmentação de uma sonhada cidadania. Uma cidadania que permita a construção de uma identidade nacional em um oceano de pressões globalizantes e anonimalizantes.

Isso é bem visível quando se analisa a realidade social nacional sob ótica do consumismo e do impacto que sofre do processo de wolrdisneyzação da vida. Isso enseja considerar que o Brasil, ao mesmo tempo em que caminha para uma participação efetiva em um mundo tecnologizado e internetizado, deixa grandes vácuos sociais, porque não resolve questões estruturais como a fundiária, a da saúde pública e da educação básica e técnica da segurança, da habitação, entre várias outras.

A cidadania brasileira surge esquizofrenizada, porque é construída sob os frágeis alicerces da desigualdade social estrutural, em um mundo no qual o tempo e o espaço são categorias manipuláveis politicamente. Isso torna mais imprevisíveis as conseqüências sociais e políticas. Estas voláteis condições interferem negativamente, em esfera coletiva, no nível de qualidade de vida, uma vez que é, em geral, aferido por indicadores quantitativos referentes a bens materiais e padrões objetivos de consumo, lazer etc. A cidadania passa necessariamente pelo acesso a bens e serviços de qualidade. Nesses aspectos, a sociedade brasileira ainda se encontra em um patamar muito precário.

Diante de um processo transformador tão rápido, complexo e desigual nas oportunidades e demandas, o Brasil, por intermédio de suas instituições sociais e lideranças civis e governamentais, demonstra uma percepção extremamente contraditória dessa realidade. Não apresenta uma linha de ação que concentre a maior parte dos interesses na direção de um projeto nacional para o setor desportivo de forma coordenada e objetiva. As ações e mobilizações são localizadas e, quando muito, setorizadas. Tampouco têm um caráter proativo, no sentido de antecipar crises e planejar a ocupação de espaço no mercado e evitar defasagens em relação às cobranças do setor.

O Brasil desportivo reage lentamente às demandas do mercado global. As ações ambíguas e contraditórias do Estado em resposta à pressão social denotam também a desigualdade de propósitos do governo. Este sucumbe sempre às pressões dos grupos mais organizados que pelejam unicamente por interesses próprios. Dificilmente, o Brasil conseguirá ocupar espaços significativos, de real valor competitivo, na economia internacional de serviços desportivos de forma a atender aos diversos interesses dessa economia. Sem dúvida, espaços localizados serão ocupados, mas não terão peso político nem econômico significativos, a ponto de tornar a nação brasileira um representante desportivo de peso no concerto das nações.

A pouca percepção do potencial econômico desse setor – o não-privilégio a ações educativas, organizacionais e gerenciais – deixa o mesmo à mercê de oscilações de mercado e de investimentos pontuais que, eventualmente, um ou outro segmento desportivo recebe, por meio de alianças conjunturais e inconseqüentes. Essa situação reflete uma condição de subdesenvolvimento crônico de um setor que detém potencialmente significativa capacidade de transformar sua realidade e alterar o status quo. Mas demanda ações que decorram de vontade política coletiva capaz de alterar essa condição.

No Brasil, neste início de século, essa vontade ainda não existe realmente. O desporto continua sendo tratado como questão secundária, coadjuvante de um processo educativo-reativo, incapacitador que produz parcos resultados positivos. A educação desportiva é tratada como política compensatória, não estratégica.

Portanto, esse segmento econômico precisa se desenvolver internamente, em nível microorganizacional. Precisa se capacitar nas bases, melhorando seu nível organizacional, e aperfeiçoar suas práticas políticas e suas ações gerenciais, para poder interferir de fato na economia nacional. Entretanto, o segmento desportivo nacional ainda não apresenta reais condições para, em conjunto, interferir politicamente. Essa realidade leva a cenários preocupantes e indesejáveis, quando se pensa no futuro.

Não obstante tantas condições potenciais para melhorar a condição de vida de milhões de brasileiros, a regulamentação jurídica e a racionalização administrativa do desporto nacional representam ainda interesses corporativos e pontuais. Não denota a convergência de interesses da coletividade nacional. A legislação em vigor, que teve início com a chamada Lei Pelé, significa apenas um processo superficial de modernização, pois desconsidera a lógica funcional e a cultura desportiva tradicionalmente brasileira. Ao invés de viabilizar o aperfeiçoamento institucional das entidades dirigentes do desporto, tenta implantar modelos internacionais no Brasil, prática já experimentada por outros setores da economia, sem êxitos significativos. E o que é pior: nivela todos os desportos pelo prisma do futebol profissional e do sistema olímpico, como se o universo desportivo fosse tão restrito em suas manifestações. É importante, no processo da globalização desportiva, a criação de mercado para produtos e serviços brasileiros. A capoeira brasileira tem apresentado um esforço significativo, embora desordenado e sem lógica de mercado.

A problemática da descontinuidade administrativa no Brasil continua sendo um dos maiores entraves ao desenvolvimento institucional brasileiro. O jogo político conjuntural se perde em pequenezas e não alcança objetivos estratégicos. O Brasil avança tautologicamente na gestão de questões que demandam um esforço concentrado para alcançar objetivos estratégicos.

No universo desportivo, a pouca percepção de sua potencial importância para o desenvolvimento nacional como um setor que pode alavancar parte significativa da nova economia de serviços que se configura em nível planetário torna a questão mais séria ainda. Esse setor depende, para ser bem-sucedido, da convergência prática de uma série de fatores. Entre eles: a) educação básica que permita ao educando entender melhor sua realidade e potencialidade físico-existencial; b) capacitação técnica, tanto para o aluno, quanto para o técnico. Essa condição demanda: a) oferta de novos treinamentos conexos às exigências do mercado; b) investimento necessário em saneamento, nutrição e saúde pública; c) impacto decisivo da tecnologia de informação sobre o setor desportivo. Com amadorismo, o mercado desportivo brasileiro não alcançará patamares competitivos significativos internacionalmente.

A problemática desportiva nacional ainda não foi objeto de uma discussão compatível à sua potencialidade. Isso se torna patente, se considerarmos as tendências impostas pelas novas formas produtivas e seus conseqüentes mercados, que estão sendo estruturados em nível internacional.

A economia do espetáculo se baseia nas atividades de serviços com diversas vertentes, com ênfase no entretenimento, no turismo e no esporte.Requer trabalhadores qualificados, pois são setores complexos cujos produtos carecem de especialização e de performances profissionais de boa qualificação. São setores que apresentam dinâmicas intensas e interação profunda com a tecnologia de informação, sobretudo nos processos comunicativos.

A lentidão nas respostas que o Estado e a sociedade brasileira demonstram diante dessas demandas tende a comprometer a capacidade de inserção do trabalhador do conhecimento no mercado. A enorme defasagem verificada entre a pressão do mercado por novos trabalhadores mais bem qualificados e a resposta institucional é um dos mais sérios riscos ao sucesso econômico brasileiro. O Brasil, quanto ao gerenciamento, desmerece sua grande vantagem competitiva potencial : sua capacidade para inovar e criar alternativas, bem como para desenvolver novos produtos e serviços, sobretudo similares aos demandados por essa nova forma produtiva. Não se pode pretender ocupar espaço no mercado internacional baseado no improviso, no casuísmo, no fatalismo, que sempre caracterizaram as pequenas fagulhas de sucesso empresarial no Brasil. É preciso haver uma ação de porte estratégico e coordenada para produzir resultados efetivos em um curto espaço de tempo.

O esporte pode muito bem vir a ser um dos pilares econômicos nacionais, se houver investimento na conformação de todos os setores da economia desportiva, e não apenas no ajuntamento de recursos nas mãos de grupos financeiros que só irão especular e beneficiar a uns poucos privilegiados.

O Brasil inaugurou uma nova etapa de desenvolvimento, ao regulamentar o espaço público para participação social de forma produtiva e não clientelística, com a reforma do estado e a regulamentação do terceiro setor da economia (Lei no. 4.690/98). Pelo menos em tese, existem condições para um grande projeto de desenvolvimento social e econômico. Disponibilizando-se recursos, auditando resultados com rigor e isenção, o Brasil pode incumbir suas organizações sociais de comandar boa parcela desse novo processo de desenvolvimento social.

É possível fortalecer as associações, os clubes, federações etc, mediante parceria com o Estado, e realizar projetos sociais, profissionais e tecnicamente capacitadores, em todos os setores dessa nova economia do conhecimento. O chamado terceiro setor é novo e promissor, ainda não está corrompido pelo clientelismo e pode ser o responsável pela alavancagem da economia desportiva.
Historicamente, temos visto que a lentidão organizacional e a ineficiência decorrente do amadorismo, do paternalismo e do clientelismo têm sido as grandes mazelas para a competitividade nacional. É preciso cuidar para que sejam mais ágeis essas ações. Potencialmente, existem muitas boas condições para que, pelo menos no setor esportivo, a economia brasileira torne-se mais competitiva. Existe uma expectativa significativa de que o Brasil supere as crises geradas pela descontinuidade administrativa e de que o Estado consiga implementar projetos estratégicos independemente das oscilações políticas conjunturais que interferem no desempenho gerencial, inviabilizando a produção de resultados efetivos, pois questões políticas circunstanciais tendem a estar vinculadas a interesses corporativos, fisiológicos e clientelistas. Isso é péssimo para o país.

O turbulento quadro de transformações sociais estruturais, cujos resultados são, ainda, imprevisíveis, evidencia-se pelo poder da ação avassaladora da indústria cultural internacional e sua força massificadora em nível global, produzindo miríades de representação da realidade, a partir da sua virtualização.

À realidade social se impõe a dimensão virtual, suas múltiplas percepções e formas de representação. Esse fenômeno, do ponto de vista do marketing, constitui um incomensurável mercado com infinitas possibilidades de reprodução de estruturas de produção e consumo e com demandas de serviços incontáveis.

A identidade social individual e coletiva, no mundo globalizado, tende a ser construída com base em sistemas de referências bem diferentes dos anteriores. Isso se deve sobretudo à incorporação da dimensão virtual na construção social da realidade e sua percepção individual.

A lógica de mercado tende a aumentar sua influência em todas as dimensões da vida, esse fato requer competência individual e grupal para ocupar espaços e atuar como sujeito nesse novo ambiente relacional. Esse é o desafio mais sério que o ser humano enfrentará nesse início de século.

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NOTAS

Economia sexual e narcisimo

1 Freud, em seu estudo “sobre o narcisismo” (Obras completas), conceitua narcisismo da seguinte forma: “ Deriva da descrição clínica e foi escolhida por Paul Nâcke em 1899 para denotar uma atitude de uma pessoa que trata seu próprio corpo da mesma forma pela qual o corpo de um objeto sexual é comumente tratado – que o contempla, vale dizer, afaga-o e o acaricia até obter satisfação completa através dessas atividades. Desenvolvido até esse grau, o narcisismo passa a significar uma perversão que absorveu a totalidade da vida sexual do indivíduo, exibindo, conseqüentemente, as características que esperamos encontrar no estudo de todas as perversões.

2 Vide Guy Talese, em A mulher do próximo, Cia das Letras.

3 Segundo o raciocínio de Bleichmar em “O Narcisismo” Ed. Artes Médicas, pg 11 e seguintes:
“a virtude e a perfeição, oriundas da comparação, são elevadas ao seu mais alto nível à medida que sejam mais excepcionais. Se não fosse pelo contraste com aquilo que se vê como carente de determinados atributos, não haveria beleza, bondade, nem se poderia dizer de alguém que é inteligente. Ao constituir um ponto dentro de uma curva, o ideal permite situar numa escala de preferências pela proximidade ou não que se tenha em relação a ele”.

É esse sistema de preferências ou menosprezo que constitui o campo narcisista. Se narciso pode apaixonar-se por sua imagem, foi por vê-la como a mais formosa, por preferi-la a todas as outras que a rodeavam – antes já havia rejeitado Eco e Amínias. Por isso, o sistema narcisista, e é sempre um sistema, exige pelo menos três elementos: o que escolhe e dois que possam ser...
A conceitualização de Édipo, que, em última instância, é a descrição da situação relativa que os sujeitos têm sobre a base de:

1) uma lógica de preferência e do menosprezo;

2) o desejo de ocupar o lugar de privilégio para outro;

3) os atributos que se deve possuir como meios para realizar esse desejo, o que se costuma chamar de falo.” (grifo nosso).

Bleichmar afirma, com propriedade, que o complexo de Édipo é fundamental no desenvolvimento de perversões sexuais, considerando que o Édipo intervém determinando o tipo e a escolha do objeto, a identidade do sujeito, com este e seu desejo se constituem seus mecanismos de defesa, a perversão que implica uma determinada identidade, uma posição perante o desejo, uma escolha de objeto, estará, então, marcada pelo Édipo.

4 O neurótico obsessivo sente-se forçado a fazer uma coisa que não gosta de fazer, ou seja, é compelido a usar sua volição contra os seus próprios desejos; o pervertido sente-se obrigado a “gostar” de uma coisa, mesmo contra sua vontade.

... Ocorrem, às vezes, as perversões estarem combinadas com neuroses; com grande freqüência pela fixação pré-genital comum, combinadas as neuroses obsessivas e as psicoses. Todas três dentre as possibilidades que se seguem podem acontecer: 1) a perversão e a neurose desenvolvem-se uma ao lado da outra; 2) uma neurose complica uma perversão que se haja primeiramente estabelecida. 3) Uma perversão acresce-se a uma neurose primariamente estabelecida.


Identidade Social e Mimetismo

1 Ver dissertação de mestrado em sociologia deste autor, “Karatê e identidade social”, Unb
1990.

2 Ver. Emile Durkeim em A Divisão social do trabalho, volumes I e II Ed. Presença, 1977.

3 Ver Eugênio Enriquez em “Da horda ao Estado, psicanálise do vínculo social” Jorge Zahar
Editor, 1990.

4 Vide My way of Life de Ginchin Funakoshi ed. Pensamento

5 Max Weber conceitou Ethos

6 As lutas, sob certos aspectos, remetem à questão do poder, da disputa entre irmãos pelo lugar do pai. Alguns desenvolveram maior habilidade, mais predisposição para o combate corporal. Embora a literatura psicanalítica nem antropológica não faça referência explícita a esse fato, é bom que se reflita sobre esse apsecto das relações humanas em seus estágios primordiais, considerando, hipoteticamente, a predisposição para o combate, o destemor, a coragem, a agressividade, como um atributo de poder individual, como forma de prestígio grupal e, conseqüentemente, esse atributo foi utilizado, ainda que intuitivamente, como vantagem política individual nas relações intragrupais.

7 Ver livro “Muito Além do Amor”, de M. Lafond, sobre os primórdios do combate à Aids, sua aceitação e negação social e ação comercial dos grandes laboratórios, visando à liderança mercadológica.

8 Bleichmar, op.cit.